Acervo, Rio de Janeiro, v. 37, n. 2, maio/ago. 2024

História econômica do Rio de Janeiro | Dossiê temático

O perfil industrial do Rio de Janeiro

Os remanescentes fabris na paisagem urbana da cidade

The industrial profile of Rio de Janeiro: factory remains in the city’s urban landscape / El perfil industrial de Río de Janeiro: restos de fábrica en el paisaje urbano de la ciudad

Zenilda Brasil

Doutora em Museologia e Patrimônio pelo Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) em parceria com o Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), Brasil.

zenildabrasil@mast.br

Marcus Granato

Doutor em Engenharia Metalúrgica e de Materiais (UFRJ). Professor colaborador do curso de mestrado profissional em Preservação de Acervos da CT (Mast) e do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio (Unirio/Mast). 

marcus@mast.br

Resumo

O Rio de Janeiro foi uma das primeiras cidades brasileiras a iniciar seu processo de industrialização, entre meados do século XIX e a primeira metade do século XX. Período no qual recebeu importantes investimentos fabris. Para traçar esse perfil industrial, foram analisados dois periódicos: publicitário e estatístico. O resultado demonstra que a cidade já apresentava, nessa época, características arquitetônicas industriais, cujos remanescentes estão desconectados da história da industrialização do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Rio de Janeiro; industrialização; instalações fabris; remanescentes fabris.

Abstract

The Rio de Janeiro was one of the first Brazilian cities to begin its industrialization process, between the mid-19th century and the first half of the 20th century. Period that receveidimportant manufacturing investments. To outline this industrial profile, two periodicals wereused: advertising and statistical. The result demonstrates that the city in this period already had industrial characteristics, whose remnants are disconnected from the history of Rio de Janeiro’s industrialization.

Keywords: Rio de Janeiro; industrialization; factory installations; factory remanacents.

Resumen

Río de Janeiro fue una de las primeras ciudades brasileñas en iniciar su proceso de industrialización, entre mediados del siglo XIX y la primera mitad del siglo XX. En este período recibió importantes inversiones manufactureras. Para trazar este perfil industrial se utilizaron dos publicaciones periódicas: publicitaria y estadística. El resultado demuestra que laciudadeneste período yatenía características cuyos restos están desconectados de la historia de la industrialización de Río de Janeiro.

Palabras clave: Río de Janeiro; industrialización; instalaciones manufactureras; restos fabriles.

Introdução

Este artigo apresenta o perfil industrial da cidade do Rio de Janeiro, de meados do século XIX até a primeira metade do século XX. Seguindo a corrente de pensamento de autores como Luz (1975) e Jobim (1941), que defendem que o desejo de industrialização se julgava, já nesse período, como algo imprescindível à prosperidade brasileira, quando a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil, começou a receber importantes investimentos no setor fabril, sendo uma das primeiras cidades a iniciar seu desenvolvimento industrial no país. Em contrapartida a essa corrente de pensamento, autores como Araújo (2008) e D’Araújo (1997), muito influenciados pelas ideias de Celso Furtado (1970),1 identificam o desenvolvimento industrial brasileiro posterior ao ano de 1930, tendo como elementos fundamentais a ascensão de Getúlio Vagas ao poder e um conjunto de fatores, principalmente a partir da “Grande Depressão”,2 em decorrência basicamente do brusco declínio na capacidade do país de importar (Versiani; Versiani, 1975, p. 37). Este artigo endossa a primeira corrente que, a partir da segunda metade do século XIX, na cidade do Rio de Janeiro, reafirma que já se encontravam instalados relevantes empreendimentos fabris. Contudo, alguns desses empreendimentos, na atualidade, na paisagem urbana da cidade do Rio de Janeiro, não possuem nenhuma conexão com o processo industrial pelo qual passou a cidade.

Os primeiros fatores que colaboraram para a industrialização da cidade do Rio de Janeiro foram a chegada da família real portuguesa no Brasil em 1808, que segundo Maria Alice Rosa Ribeiro (2012, p. 63) trouxe para a cidade um contingente considerável de pessoas demandando moradia, alimentação e transporte; a “Abertura dos Portos” no mesmo ano; e a revogação do alvará de 28 de abril de 1809, que proibia todas as atividades industriais na Colônia (Gonçalves, 1984, p.106). Outras razões também contribuíram para essa abertura, ao longo do século XIX. Foi a partir de 1844, quando foram elevadas as taxas médias de importação, através da Tarifa Alves Branco, e com a proibição do tráfico de escravizados, pela Lei Eusébio de Queirós (1850) (Mattos; Dottori; Silva, 1972, p. 97), que o Rio de Janeiro teve o primeiro estímulo no processo de industrialização no país. Personagens como o barão de Mauá, que em 1853, dentre tantos empreendimentos, elencados por Ramos (2009, p. 13),3 construiu a primeira Companhia de Iluminação a Gás no Rio de Janeiro (Figura 1), e Thomas Cochrane que, em 1859, percebendo a necessidade do transporte no desenvolvimento industrial da cidade, criou a Companhia de Carris de Ferro da Tijuca e colocou para circular, de forma experimental, o primeiro bonde do Brasil (Saldanha, 2008, p. 42). Esses foram, dentre tantos outros, alguns dos responsáveis que garantiram ao Rio de Janeiro essa característica industrial. A Figura 1 apresenta imagem em gravura da Fábrica de Gás do Aterrado (1856), primeiro empreendimento nesse segmento, que na década de 1980 abrigou o Museu do Gás da Companhia Estadual do Gás (CEG). Na atualidade, encontra-se parcialmente demolido e descaracterizado, deixando no cenário urbano apenas vestígios de uma das mais importantes fábricas de gás da cidade.


Figura 1: Fábrica de Gás do Aterrado (1856). Gravura. Autor: Pieter Godfried Bertichen. Fonte: Brasiliana Iconográfica. Disponível em: https://www.brasilianaiconografica.art.b r/obras/18093/gazcometro-no-atterado. Acesso em: 6 jun. 2023.

A cidade do Rio de Janeiro começava a mudar seu aspecto de cidade colonial para a capital do Império e necessitava de mais melhoramentos. Quanto ao saneamento, esse serviço ficou por conta da empresa inglesa The Rio de Janeiro City Improvements Company Ltd., no bairro da Glória, que em 1857 ganhou a concessão para realizar na cidade o “serviço de limpeza das casas e do esgoto das águas pluviais” (Seaerj, 2010, p. 1), local onde hoje se encontra a Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Rio de Janeiro. A limpeza urbana ficou sob a responsabilidade, em 1876, da firma francesa Aleixo Gary & Cia.4 (Bello, 2010, p. 2011), que implantou na cidade os carros varredores, através de sistema mecânico desenvolvido por Chales Sohy, utilizados na limpeza de cidades francesas (O Auxiliador da Indústria Nacional, 1875, p. 446). Esses impulsionamentos em direção à industrialização, na cidade do Rio de Janeiro, se estenderam do período imperial até as primeiras décadas da República.

Geraldo Beauclair Oliveira (1992) faz uma diferenciação entre oficina, fábrica e manufatura no contexto brasileiro, após a revogação do alvará pela lei 28 de abril de 1809, denominando as atividades desse período de pré-industrial, sem a utilização de máquinas, de trabalhadores livres e assalariados e pouca interação entre as instalações. No período abordado, os grandes empreendimentos importavam seu maquinário diretamente da Europa. As grandes reformas urbanísticas, principalmente após a Proclamação da República, e com a remodelação da cidade, atraíram inúmeros representantes de fabricantes de máquinas pesadas para as indústrias instaladas na cidade do Rio de Janeiro.

Instalações industriais na cidade do Rio de Janeiro – 1859-1889

Existiam nesse período importantes engenhos de açúcar, fundições e algumas fábricas, sendo na sua maioria de bens de consumo não duráveis, destacando-se também a indústria de móveis (bens duráveis). A fábrica Almeida Comércio e Indústria de Ferro Ltda. (Fábrica de Cofres Progresso), fundada em 1881, no bairro da Lapa, no centro do Rio de Janeiro, que produzia fogões e cofres, é um bom exemplo desse período. Imigrantes europeus também se dedicaram às atividades industriais no Rio de Janeiro, como o húngaro J. R. Kanitz (Anuário Administrativo, 1916, p. 1281), que instalou na cidade, em 1874, a Perfumaria Kanitz,5 a primeira indústria de sabonetes a utilizar o processo a vapor (Kanitz, 2017, p. 1), e o suíço Joseph Villiger, um dos fundadores da Manufactura de Cerveja Brahma Villiger & Companhia, fundada no bairro do Catumbi, em 1888, e demolida em 2011 (Brasil, 2012, p. 2).

Para comprovar o desenvolvimento industrial do Rio de Janeiro, no período histórico considerado, foram utilizados dois periódicos, um publicitário e o outro estatístico. Tendo em vista que o primeiro levantamento industrial (inquérito) só foi realizado em 1907, não se mostrando eficiente, e o primeiro censo industrial só foi elaborado em 1920, apresentando também alguns problemas6 (Versiani; Considera, 1990, p. 364), os autores do artigo optaram por preencher essa lacuna sobre instalações industriais no Rio de Janeiro, entre meados do século XIX e primeira metade do século XX, utilizando os empreendimentos industriais anunciados no periódico Anuário Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, o Almanak Laemmert, entre as décadas de 1850 e 1920. Por ser um periódico publicitário editado de 1844 a 19407 (Donegá, 2012, p. 24), oferecia a partir de seus anúncios, segundo Limeira (2007, p. 18), uma espécie de radiografia dos espaços públicos e privados da corte imperial e da província do Rio de Janeiro. Servindo, dessa forma, de importante fonte para a compreensão do cotidiano carioca e de seu desenvolvimento fabril nos períodos abordados. É importante destacar que todos os estabelecimentos industriais anunciados nos almanaques e nos anuários estatísticos como “fábrica” foram analisados. Os anúncios publicados nesses almanaques, apresentados neste artigo em tabelas, permitem demonstrar uma estimativa de estabelecimentos fabris instalados no Rio de Janeiro. Quanto aos dados estatísticos, os censos industriais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para as décadas de 1930, 1940 e 1950, também serviram de fonte. A Tabela 1, a seguir, apresenta os dados coletados.

Tabela 1 – Demonstrativo dos empreendimentos fabris entre os anos de 1859 e 1889

Gêneros

Ano

1859

1869

1879

1889

Indústrias de alimentação

73

146

264

60

Indústrias têxteis

4

2

2

14

Indústrias do vestuário

223

118

83

25

Desenho de uma pessoa

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Indústrias químicas

53

79

87

34

Indústria metalúrgica

15

20

6

28

Indústria Mecânica

1

9

25

25

Outras indústrias

345

381

355

206

Total

714

755

822

392

Fonte: Anuário administrativo, agrícola, profissional, mercantil e industrial dos Estados Unidos do Brasil e indicador para 1859-1889. Almanak Laemmert. Rio de Janeiro: Manoel José da Silva & Cia.

A Tabela 1 demonstra uma estimativa dos empreendimentos industriais, já em meados do século XIX. Os quantitativos apresentados não representam a totalidade dos empreendimentos instalados na cidade no período verificado, mas apenas aqueles que divulgavam seus negócios nos referidos almanaques. Mesmo não exibindo todas as instalações fabris do Rio de Janeiro, essa tabela e as demais expostas ao longo desse artigo ilustram como se apresentava o cenário industrial do período abordado, reforçando a tese de que na cidade do Rio de Janeiro, já em meados do século XIX, iniciava-se o desenvolvimento das primeiras atividades industriais.

A Tabela 1 e as Tabelas 6 e 8 mostram os gêneros de indústrias que se desenvolveram na cidade, tendo como base os termos apresentados no Censo Industrial de 1920. Quanto às indústrias de alimentação, englobavam as de conservas, bebidas, vinagres, massas, açúcares etc.; as indústrias têxteis se referem à toda a produção de tecidos e fios; as indústrias do vestuário envolvem toda a produção de indumentária (camisas, meias, calças etc.) e seus acessórios como calçados, chapéus (palha, sol), bengalas, luvas, entre outros; as indústrias químicas abrangem as especialidades farmacêuticas, a produção de fósforos, velas, perfumaria, sabão, produtos químicos etc.; as indústrias metalúrgicas circunscrevem as fundições e toda a produção de ferramentas e outros objetos produzidos a partir de metais; as indústrias mecânicas envolvem a produção de máquinas e equipamentos; as outras indústrias são todas aquelas que não se enquadram nos gêneros mencionados, como a produção de fumo, cartas de jogar, camas, colchões, móveis, instrumentos musicais, entre outros.

Com base na tabela apresentada, pode-se observar que, a partir de meados do século XIX, começava a se estruturar na cidade do Rio de Janeiro a indústria de bens de consumo. Os dados mostram um desenvolvimento industrial ainda bastante tímido, comparado com os anos subsequentes. No final do século XIX, a economia brasileira ainda era fortemente influenciada pela produção agrícola, baseada na mão de obra escravizada, fornecendo produtos agrícolas e matérias-primas para a exportação. Contudo, pelos estabelecimentos anunciados nos almanaques, pode-se perceber o crescimento de alguns setores, muito em função dos controles tarifários aplicados à economia. Em 1859, verifica-se um aumento dos anúncios da indústria do vestuário e, para os anos subsequentes, da indústria de alimentação.

A indústria alimentícia do período apresentado ainda era fortemente abastecida pelos produtos importados, como manteiga, queijos, vinhos, toucinho defumado, linguiças, azeites etc. (Jobim, 1941, p. 10). O que se fabricava no país e na cidade do Rio de Janeiro eram produtos confeccionados a partir das matérias-primas aqui existentes, como a refinação do açúcar, a moagem do café e do trigo e a produção de chocolate (cacau). Com o intuito de incentivar a criação de indústrias nacionais, o governo imperial aumentou as tarifas para os produtos importados, valorizando, dessa forma, a produção nacional. No entanto, para a indústria alimentícia, o que se observa, dos estabelecimentos anunciados nos Almanaks Laemmert para o período abordado, é uma maior incidência do setor de bebidas, com destaque para as fábricas de água, como demonstrado na Tabela 2. Importantes fábricas de cerveja e café se instalaram na cidade nesses períodos, como a Imperial Fábrica de Cerveja e a Fábrica de Chocolates e Café Bhering.

Tabela 2 – Demonstrativo da indústria alimentícia, com destaque para a indústria de bebidas para os anos de 1859 a 1889

Produtos

1859

1869

1879

1889

Água mineral

13

10

8

-

Biscoito

-

-

1

1

Café torrado (*)

17

58

32

1

Cereais

-

-

-

1

Cerveja

3

18

20

6

Chocolate

7

7

5

3

Conservas

2

3

-

7

Goiabada

-

-

1

1

Licores, xaropes e refrescos

1

9

12

19

Manteiga

-

-

-

1

Massas alimentícias

2

1

1

3

Polvilho

1

-

-

1

Refinação de açúcar

25

28

-

8

Vinagre

4

11

8

3

Vinho

-

1

2

1

(*) Consideramos café torrado alimento. Fonte: Anuário administrativo, agrícola, profissional, mercantil e industrial dos Estados Unidos do Brasil e indicador para 1859-1889. Almanak Laemmert. Rio de Janeiro: Manoel José da Silva & Cia.

Exceto as fábricas que produziam alimentos a partir das matérias-primas, como a de café com 58 instalações em 1869, a de refinação de açúcar com 28 instalações no mesmo ano e a produção de chocolate, com sete fábricas em 1859-1869 (Tabela 2), os demais alimentos vinham em sua maioria de outros países. Poucas eram as fábricas nacionais que produziam esses produtos na cidade, o que provavelmente justifica os baixos índices de anúncios desses produtos.

A partir do final do século XIX, percebe-se uma expansão da indústria têxtil. Assim como esse, outros empreendimentos também foram favorecidos pela proteção tarifária, em função das necessidades do governo em ampliar suas receitas, cuja principal fonte eram as tarifas alfandegárias (Baer, 1985, p. 10). Em 1859, eram anunciadas quatro fábricas de tecidos, enquanto no ano de 1889 já havia na cidade, pelo menos anunciadas, 14 instalações fabris de tecido. Desse período podem ser citadas a Companhia de Fiação e Tecidos Aliança, 1880 (Laranjeiras), a Companhia de Fiação e Tecelagem Carioca, 1884 (Jardim Botânico) e a Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado, 1889, também no Jardim Botânico. Todas foram demolidas. Outra fábrica têxtil de grande porte foi a Companhia Progresso Industrial do Brasil – Fábrica Bangu, considerada a maior fábrica de tecidos do Rio de Janeiro. Fundada em 1889, tinha como projeto de criação uma indústria que produzisse desde o fio cru até tecidos estampados, percorrendo todas as etapas do processo fabril (Severino, 2015, p. 13).

A indústria do vestuário, na segunda metade do século XIX, era muito influenciada pelos artigos importados, principalmente da indumentária (camisas, calças, roupas brancas etc.). A partir desse período, começaram a ser produzidos na cidade alguns acessórios, que contribuíram para maior incidência de anúncios. Em 1859, das 223 fábricas anunciadas na cidade, 132 eram de calçados masculinos. Em 1869, das 118 instalações, 58 eram de chapéus finos (lebre, seda, castor). Em 1879, de 83 fábricas, trinta eram de chapéus de sol e em 1889, dos 25 estabelecimentos anunciados, 11 eram de calçados, sem especificação, como demonstrado na Tabela 3 a seguir.

Tabela 3 – Demonstrativo da indústria do vestuário, com destaque para a indústria dos acessórios para os anos de 1859 a 1889

Produtos

1859

1869

1879

1889

Boné

2

3

3

1

Calçado (sem especificação)

2

7

9

11

Calçado feminino e infantil

16

-

-

-

Calçado masculino

132

-

-

-

Camisa

4

7

8

-

Chapéu fino

37

58

23

9

Chapéu de sol

26

37

30

1

Colete

2

6

5

2

Luva

2

-

4

1

Roupa para banho de mar

-

-

1

1

Fonte:Anuário administrativo, agrícola, profissional, mercantil e industrial dos Estados Unidos do Brasil e indicador para 1859-1889. Almanak Laemmert. Rio de Janeiro: Manoel José da Silva & Cia.

Antes de abordar as indústrias químicas, metalúrgicas e mecânicas, é necessário analisar as “outras indústrias”, pois muitas delas complementam o que foi mencionado anteriormente. Por concentrar um quantitativo maior de fábricas, esse gênero acabou por se destacar trazendo uma diversificação de produtos fabricados na cidade.

De modo geral, para os anos analisados na Tabela 1, houve maior incidência de anúncios de fábricas que produziam artigos relacionados aos costumes e ao cotidiano do carioca, como demonstrado na Tabela 3. O hábito de fumar foi percebido, devido a um certo número de fábricas associadas ao fumo, como os charutos, os cigarros e todas as qualidades de rapés e tabaco em pó. Em 1869, havia na cidade pelo menos 148 estabelecimentos produzindo esses artigos e, em número menor de anúncios, os demais produtos. Pode-se observar a incorporação desse hábito no cotidiano carioca, com o aumento de fábricas desse produto.

O meio de transporte que era utilizado na cidade, entre 1859 e 1889, revelou-se através dos 42 anúncios de estabelecimentos que produziam, em 1869, veículos como seges, carroças e carruagens, puxados por tração animal. Esse meio de locomoção ainda era muito lento para uma cidade que começava suas atividades industriais. O uso de mobiliário nas casas foi demonstrado com a fabricação de móveis, camas de ferro e colchões, além da presença do fogão a gás, que juntos totalizavam 89 fábricas entre os anos de 1879 e 1889.

O hábito da música foi percebido com a fabricação de pianos, por meio de 14 anúncios de fábricas desse instrumento, em 1879, e nove fábricas de outros instrumentos, como violas e violões. A princípio, essa maior incidência de anúncios para esse instrumento clássico demonstrou a influência da elite na sociedade carioca, uma vez que a viola e o violão, hoje tão difundidos e tocados em orquestras, eram considerados à época instrumentos menores. O costume de usar chapéus levou à existência de fábricas para enformar e lavar esses acessórios. Em 1869, havia na cidade pelo menos 14 fábricas que produziam esse artigo e realizavam esse serviço. Com relação às fábricas de caixas para embalagens de diversos produtos como velas, fósforos, perfumes etc., em 1859, eram anunciados no mínimo 13 estabelecimentos na cidade. O gênero “outras indústrias” trouxe ainda algumas curiosidades, como as fábricas de flores artificiais (pano), com 12 instalações anunciadas em 1879, e de bilhar, essa em menor número. Essas fábricas refletem bem a influência europeia, em relação aos costumes adotados na cidade, nesse período. A Tabela 4, a seguir, ilustra o que acabamos de mencionar.

Tabela 4 – Demonstrativo das maiores incidências de fábricas entre os anos de 1859 e 1889

Produtos

1859

1869

1879

1889

Bilhar

3

1

2

1

Caixas diversas

13

12

9

1

Cama de ferro

5

4

6

11

Colchão

35

35

35

-

Charuto e cigarros

113

148

52

10

Enformar e lavar chapéus

8

14

4

13

Fogões

3

9

13

6

Flores de pano

5

7

12

4

Instrumentos musicais

3

4

9

1

Móveis

6

2

30

5

Pianos e órgão

8

10

14

8

Rapé

6

8

7

2

Sege, carroças e carruagem

12

42

14

30

Tabaco em pó

10

4

10

9

Fonte: Anuário administrativo, agrícola, profissional, mercantil e industrial dos Estados Unidos do Brasil e indicador para 1859-1889. Almanak Laemmert. Rio de Janeiro: Manoel José da Silva & Cia.

Delso Renault (1984), em O Rio antigo nos anúncios de jornal (1808-1850), ilustrou bem alguns desses costumes, adquiridos muito antes do período abordado e materializados por meio dos artigos produzidos pelas fábricas. Ele informa que os primeiros registros fotográficos da cidade já focalizavam em cenas de rua “homens e mulheres que invariavelmente eram vistos na cidade com seus chapéus de sol e o hábito dos homens de tomarem rapé, cujo vício era generalizado e com exagero” (1984, p. 219). Outro costume da época eram os saraus, onde os donos da casa organizavam jogos de salão, adivinhações, em meio a recitações de poetas acompanhadas ao piano (1984, p. 289). As casas comerciais com serviços de café passaram a atrair mais “os conversadores e boateiros”, como pontos de reunião, que ofereciam, além do café, o bilhar, “passatempo já conhecido e apreciado pelos cariocas” (1984, p. 142). Outra produção bastante peculiar nesse período era de flores artificiais de pano, que traziam uma curiosidade incorporada aos costumes da elite carioca. Inicialmente confeccionadas pelas escravizadas, que tinham seus produtos vendidos pelos seus senhores, em meados do século XIX essas peças passaram a ser confeccionadas pelas fábricas, de “variadas cores, que enfeitavam as toaletes das senhoras” (1984, p. 236).

Grande parte das fábricas, que desenvolveu suas atividades na cidade do Rio de Janeiro no período abordado, estava muito mais voltada a produzir artigos que atendessem aos hábitos e costumes da elite da cidade, muito mais que das classes populares, sendo esses hábitos, na sua maioria, importados da Europa. A mão de obra utilizada nesses fábricas era de escravizados e homens livres, sendo alterada após a abolição da escravatura. É interessante frisar que a mão de obra cativa não era desqualificada, como afirmavam “aqueles que defendiam a colonização e o emprego maciço do trabalho livre na indústria, considerado de melhor qualidade que o trabalho cativo” (Soares, 2003, p. 2). Tomando como exemplo a confecção das flores artificiais de pano pelas escravizadas, a presença do cativo nas indústrias pressupunha que eles tivessem que conhecer razoavelmente seus ofícios manuais que já detinham ou que lhes eram ensinados (2003, p. 2). Dessa forma, a indústria que vinha se desenvolvendo na cidade conseguia absorver, em certa medida, essa gama de trabalhadores, que mais tarde passou a ser constituída de imigrantes.

Quanto à indústria química, é interessante saber que, a partir da transferência da corte portuguesa para o Brasil, começaram a ser ministradas aulas de química na Academia Real Militar (1811). No ano seguinte, foi criado o Laboratório Químico-Prático do Rio de Janeiro, com a finalidade de desenvolver pesquisas químicas para uso industrial. Nesse laboratório, realizaram-se estudos da preparação do ópio, análises das águas sulfurosas e purificação de aguardente de cana. Em 1824, foi criado o Laboratório Químico do Museu Imperial e Nacional (atual Museu Nacional) e, durante sua existência, foram realizadas análises de combustíveis naturais, as primeiras perícias toxicológicas do país, análises e reclassificação de minerais e pesquisas fitoquímicas com espécies da flora brasileira (Almeida; Pinto, 2011, p. 42). As análises químicas das plantas objetivavam descobrir e industrializar novas fórmulas (remédios). Muitas delas eram desenvolvidas por farmacêuticos nos interiores das farmácias. O que se conhece na atualidade como química de produtos naturais (fitoquímica) no Brasil era realizada nas boticas, principalmente no Rio de Janeiro, onde esses estabelecimentos funcionavam como pequenos laboratórios. Nesse período, não havia nessa área uma distinção entre química e farmácia (Almeida; Pinto, 2011, p. 42).

Dessa forma, a utilização de processos químicos na fabricação de fármacos, como remédios de origem vegetal (elixir, xaropes etc.) e outros artefatos como velas e sabões, já eram produzidos e comercializados na cidade, muito antes do período abordado. A indústria química apontada na Tabela 1 apresenta maior incidência de anúncios a partir da década de 1870, quando os incentivos à produção nacional foram mais ostensivos, visto que, em 1874, o governo aumentou em 40% as tarifas para a importação (Jobim, 1941, p. 18), favorecendo mais uma vez a produção nacional.

No ano de 1879, foram anunciados 87 estabelecimentos, com destaque para a produção de velas de sebo e cera, seguidos da produção de sabão e óleos variados para iluminação, como ilustrado na Tabela 5. Muito antes do advento da luz elétrica, que só chegaria na cidade do Rio de Janeiro em 1904, as velas já eram utilizadas, assim como os óleos e/ou azeites, de origem vegetal e animal, usados em outras formas de iluminação além do gás. Importantes fábricas abasteciam a cidade de velas, como a Companhia de Iluminação Doméstica, no bairro de Botafogo, zona sul da cidade, e a Companhia Luz Steárica, no bairro de São Cristóvão, zona norte, uma das mais antigas fábricas de velas e sabões, fundada em 1842. Esta última tem ainda vestígios de sua construção na cidade. Os artigos de perfumaria (perfumes, cosméticos, sabonetes etc.) tiveram maior incidência de instalações fabris, no ano de 1889, com 12 estabelecimentos. Isso reflete o desenvolvimento e a ampliação da indústria química na cidade. A fabricação de produtos químicos vai se diversificando com os anos, passando a produzir formicidas, inseticidas, nitrato de prata, mercúrio doce, entre outros. Os índices de divulgação de estabelecimentos fabris para o setor químico em 1889 estavam muito abaixo dos anos anteriores. Contudo, não se pode esquecer que o ano de 1889 marcou definitivamente a situação política e econômica do país, com o fim do regime monárquico e o início do período republicano. E por ser o Almanak Laemmert um periódico publicitário, a estimativa de anúncios dependia da demanda dos anunciantes. De qualquer forma, percebe-se que a indústria do Rio de Janeiro, ao longo do final do século XIX, veio se estruturando.

Tabela 5 – Demonstrativo de maior incidência de fábricas da indústria química para o segundo período imperial

Produtos

1859

1869

1879

1889

Azeite de sebo purificado

5

4

3

4

Cal

-

-

3

-

Cera

1

1

-

-

Graxa

2

2

-

1

Fósforo

2

4

2

2

Óleo mineral

-

-

1

-

Pomada

1

2

5

-

Perfumaria

1

-

-

12

Produtos químicos e farmacêuticos

4

6

6

4

Sabão e óleos

6

25

28

4

Sabonete

-

-

1

3

Tinta para escrever

-

5

4

8

Vela (cera, sebo)

30

30

34

7

Xarope

1

-

-

-

Fonte: Anuário administrativo, agrícola, profissional, mercantil e industrial dos Estados Unidos do Brasil e indicador para 1859-1889. Almanak Laemmert. Rio de Janeiro: Manoel José da Silva & Cia.

Quanto à indústria metalúrgica, era representada no período abordado na Tabela 1 pelas fábricas de galvanização e pelas fundições. As primeiras fundições localizavam-se nas proximidades do antigo Cais do Valongo, ou Cais da Imperatriz, muito em função do mercado de escravizados de onde desembarcavam os navios trazendo mão de obra escravizada do continente africano. A presença dessas “pequenas fábricas” nessa localidade representava uma triste realidade do período abordado, pois essas fundições, inicialmente oficinas, se especializavam na confecção de grilhões e todos os tipos de instrumentos de aprisionamento (suplício) (Honorato, 2008, p. 142). Com a abolição da escravatura, elas passaram a diversificar suas funções na confecção de outros objetos, como postes de iluminação, gradis de ferro, chafarizes, esculturas etc. Já a indústria mecânica, até então fortemente sufocada pelas importações, passou a ser mais incentivada, com o protecionismo governamental, a partir de 1874. Mesmo não sendo em larga escala, eram produzidas na cidade pequenas máquinas e instrumentos utilizados na agricultura e na indústria.

Apesar dos incentivos governamentais, ainda existiam na cidade muitos negociantes de produtos importados, oriundos da Europa, principalmente da Inglaterra, França e Alemanha. Produtos não só da indústria alimentícia, que aquecia a cidade com produtos manufaturados, mas principalmente das indústrias mecânicas e metalúrgicas, que importavam para o Brasil máquinas e ferramentas para equipar as fábricas, tornando-se concorrentes da produção nacional.

A maioria das instalações fabris na cidade, no período abordado, estava localizada no centro, e uma menor parte nos seus arrabaldes, considerados na época subúrbios. Os subúrbios até o final do século XIX, no Rio de Janeiro, eram lugares localizados nas cercanias da cidade (centro), locais de moradia das classes mais abastadas, como Glória, Catete, Tijuca, São Cristóvão, Gamboa, Saúde, dentre outros, que se assemelhavam aos subúrbios europeus do final do século XIX (Santos, 2011, p. 10). Esse cenário começava a ser alterado, com a vinda de instalações fabris para algumas dessas regiões, principalmente próximo ao porto. Algumas áreas, que compõem hoje o centro da cidade, ou melhor, a zona portuária, como os bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, passaram a ter seu perfil alterado, principalmente com as reformas urbanas.

O desenvolvimento industrial no alvorecer da República: aprimorando as fábricas

No primeiro período republicano (1889-1930), a indústria brasileira continuava desenvolvendo-se, principalmente na produção de tecidos e na transformação de alimentos. No início desse período, uma das mais importantes fábricas no Rio de Janeiro foi a Companhia Progresso Industrial do Brasil, conhecida como Fábrica Bangu (Figura 2), uma das primeiras indústrias têxteis do país, fundada em 1889, localizada no bairro de Bangu, na zona oeste da cidade. Além de grande participação na vida econômica da cidade e do país, a Fábrica Bangu também atuava no setor cultural. As atividades industriais da fábrica funcionaram até o ano de 2005.


Figura 2: Fachada da Companhia Progresso Industrial (Fábrica Bangu). Foto: Augusto Malta (1908). Acervo Light. Fonte: O Rio Antigo. Disponível em: https://twitter.com/orioantigo/status/1218359520017121280. Acesso em: 6 jun. 2023.

Apesar dos investimentos na cidade, o desenvolvimento industrial enfrentava muitas dificuldades, com a concorrência dos produtos estrangeiros, e os defensores da industrialização reclamavam do governo medidas protetivas para as indústrias brasileiras. Mas foi no decorrer das primeiras décadas do século XX que a pioneira indústria carioca teve sua dinâmica alterada, perdendo a liderança para São Paulo, principalmente em função dos lucros excedentes, gerados pelas exportações de café, por parte dos produtores paulistas (Ribeiro, 2002, p. 352). Essa queda no cenário industrial carioca foi favorecida, também, pelas interrupções nos fornecimentos de “além-mar”, em virtude das guerras, pela redução das importações e pela retração do mercado externo para os produtos de exportação nacionais (Baer, 1985, p. 12), como demonstrado na Tabela 6, os empreendimentos fabris no primeiro período republicano entre as décadas de 1890 e 1920.

Tabela 6 – Demonstrativos dos investimentos fabris da cidade do Rio de Janeiro entre os anos 1899 e 1929

Gêneros

Ano

1899

1909

1919

1929

Gêneros alimentícios

45

39

158

393

Indústrias têxteis

21

26

32

113

Indústrias do vestuário

73

32

133

471

Indústrias químicas

30

34

102

333

Indústrias metalúrgicas

34

25

20

73

Indústrias mecânicas

5

1

1

9

Outras indústrias

128

90

192

728

Total

336

247

638

2.120

Fonte: Anuário administrativo, agrícola, profissional, mercantil e industrial dos Estados Unidos do Brasil e indicador para 1899-1929. Almanak Laemmert. Rio de Janeiro: Manoel José da Silva & Cia.

O novo cenário do país, agora como República, e o Rio de Janeiro como sua capital, favoreceu o fortalecimento da industrialização, segundo o qual o Brasil precisava completar sua independência política, conquistando sua independência econômica, só alcançada com a criação de novas indústrias, principalmente substituindo os produtos importados pelos nacionais (Baer, 1985, p. 11).

Apesar da análise “deficitária”, identificada pelo próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no primeiro inquérito industrial brasileiro de 1907, constatou-se a existência de 3.258 estabelecimentos fabris, que empregava 151.841 operários. Dessas indústrias, 670 localizavam-se no Distrito Federal, então Rio de Janeiro (Versiani; Considera; Reis, 1990, p. 382). Esse quantitativo de fábricas levantadas pelo “Inquérito de 1907” permite acreditar que, mesmo com tantas dificuldades para o desenvolvimento industrial na cidade do Rio de Janeiro, esse valor confrontado com os apresentados na Tabela 6, por meio dos anúncios dos empreendimentos fabris, indica que a produção industrial carioca vinha crescendo a cada ano, principalmente quando comparada com os anos anteriores da Tabela 1.

Contudo, ainda observando a Tabela 6, apesar de apresentar maior quantitativo de fábricas instaladas na cidade, estas ainda continuavam reduzidas em alguns setores, principalmente nos primeiros anos do século XX. De certa forma, o quantitativo de anúncios reflete o panorama econômico da cidade. As indústrias metalúrgicas e mecânicas ainda não detinham tecnologia e material suficientes para produzir o maquinário necessário para equipar uma indústria. O que se produzia na cidade eram máquinas e ferramentas de menor porte, como descascadores e brunidores de café, moendas para engenho, rodas hidráulicas etc. (Anuário, 1909, p. 541). Havia na cidade muitos representantes de grandes fábricas estrangeiras, que negociavam máquinas e ferramentas em seus escritórios ou agências. Isso demonstra uma dependência ainda muito alta das importações para esses gêneros, que vinham da Europa. Essa situação se explica devido às reformas urbanas por que passou a cidade do Rio de Janeiro, nos primórdios do século XX, e que atraíram para o centro da cidade diversos representantes que negociavam essas mercadorias. Esse cenário só vai ser alterado décadas depois.

Em contrapartida, houve maior desenvolvimento dos demais setores, diante do cenário econômico já apresentado. A indústria têxtil passou de 21 anúncios em 1899 para 113 em 1929. As indústrias do setor têxtil eram, na maioria, instalações de grande porte. As fábricas da Companhia América Fabril, empresa que no final do século XIX e início do XX já era proprietária de mais cinco fábricas (Weid; Bastos, 1986, p. 68) e estava entre as principais empresas têxteis do Brasil.

Uma delas era a Fábrica Cruzeiro (Figura 3), considerada, à época, a mais complexa unidade de produção da Companhia América Fabril. O desenvolvimento de sua produção fabril dispunha de diversas etapas produtivas, que compreendiam desde a fiação, tecelagem e beneficiamento diversificado do tecido até seções complementares e auxiliares à produção. Ainda nas instalações dessa fábrica, havia um setor de obras e conservação das máquinas, requerendo mão de obra diversificada. Além das repartições administrativas, mantinha também serviços assistenciais para atendimento aos operários (Weid; Bastos, 1986, p. 197).


Figura 3: Vista aérea da Fábrica Cruzeiro com suas vilas operárias e terrenos adjacentes. Andaraí. 1911. (Arq. CAF.). Fonte: Weid; Bastos, 1986, p. 68.

Quanto à indústria alimentícia, importantes fábricas já abasteciam a cidade, como o Moinho Fluminense e o Moinho Inglez, na produção de farinhas, massas e biscoitos. A indústria de bebidas foi bastante aquecida, principalmente com a cerveja, trazendo para a cidade marcas até hoje conhecidas como a Brahma e a Antárctica. A produção de café sobreviveu bem ao período de guerra, terminando o ano de 1929 com 137 fábricas, demonstrado na Tabela 7.

Os demais setores também se beneficiaram com o aumento na produção, principalmente após as reformas urbanas na cidade, como a indústria do vestuário, que viu o setor de calçados ter, no ano de 1929, 264 anúncios de estabelecimentos fabris na cidade. Segue-se a indústria química, com o crescimento da produção de artigos de perfumaria e produtos químicos, e a indústria moveleira.

Tabela 7 – Demonstrativo das indústrias que mais se desenvolveram no período de 1899 a 1929

Produtos

1899

1909

1919

1929

Café

3

4

51

137

Calçados

6

7

73

264

Cerveja

6

7

28

55

Móveis

2

3

28

109

Perfumes

8

15

25

12

Produtos químicos

8

9

29

19

Sabonete

1

-

3

10

Fonte: Anuário administrativo, agrícola, profissional, mercantil e industrial dos Estados Unidos do Brasil e indicador para 1899-1929. Almanak Laemmert. Rio de Janeiro: Manoel José da Silva & Cia.

A falta de anúncios, observada no ano de 1909 para a produção de sabonetes, se justifica, pois esse tipo de artigo era também produzido por estabelecimentos fabris identificados como fábricas de perfume. Por isso, não foi contabilizado como fábrica de sabonetes. O que permite concluir que existia na cidade muito mais produção de sabonetes do que foi identificado na Tabela 7.

Apesar do desenvolvimento das fábricas, no período apresentado na Tabela 6, a cidade não se transformou num grande mercado consumidor. Segundo Baer (1985, p. 14), os produtos produzidos eram caros e de qualidade inferior, se comparados com os americanos e europeus. O crescimento das fábricas atraiu para a cidade grande parte da mão de obra desempregada das fazendas, além dos imigrantes.

A industrialização do Rio de Janeiro entre as décadas de 1930 e 1950

Com a tomada do poder por Getúlio Vargas (1930), foi adotado um conjunto de políticas econômicas e sociais que marcaram de forma incontestável o desenvolvimento industrial, a urbanização e a organização da sociedade brasileira (D’Araújo, 1997, p. 7). A economia, que ainda estava fortemente baseada na produção agrícola (cafeicultura), passou a ser substituída pela industrial. Inúmeras fábricas e estabelecimentos industriais se instalaram na cidade do Rio de Janeiro, ao longo da gestão Vargas (1930-1945 e 1950-1954), como a sede da Standard’Oil Company. No Brasil desde 1912, foi a primeira empresa de óleo e gás a se estabelecer no país. A Fábrica Bhering, já instalada na cidade, mudou de endereço em 1934, devido às reformas urbanas no centro da cidade, tendo suas instalações demolidas, indo se instalar na rua Orestes, 28, no bairro do Santo Cristo, produzindo chocolates, doces e café até meados da década de 1990, quando foi desativada.

O governo de Getúlio Vargas também vivenciou uma mudança dos locais de produção. Unidades fabris e industriais até então em funcionamento foram abandonadas, nas regiões do centro, zonas sul e norte da cidade, e instaladas em novas localidades da capital federal. Essa movimentação ocorreu em função do crescimento da cidade; do aumento nas dimensões físicas tanto das empresas como das fábricas; da busca por novos mercados consumidores; das alterações nos meios de transportes e nos fluxos de energia, além das mudanças tecnológicas das próprias indústrias. Uma das direções seguidas por esse deslocamento foi através da abertura de novas unidades na periferia da cidade, ou em áreas satélites do Rio de Janeiro. Nesse período ainda se instalaram no Distrito Federal (RJ) as indústrias metalúrgicas e mecânicas, farmacêuticas, de calçados e vestimentas, alimentares, incluindo bebidas e estimulantes (Anuário Estatístico do Brasil, 1949, p. 118-122). A construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), no Vale do Paraíba, em Volta Redonda (1946), atraiu diversas plantas industriais para a região, tanto do setor metalúrgico como do setor de bens de consumo. A abertura da Avenida Brasil, em 1946, e da BR-116 (Via Dutra), inaugurada em 1951, foram fatores fundamentais de expansão das indústrias, sendo a Baixada Fluminense uma região que muito sentiu os efeitos desse processo. Os novos empreendimentos industriais e fabris produziam artigos manufaturados como açúcar, leite, tecidos, máquinas, dentre outros.

O governo de Juscelino Kubistchek (JK) (1956-1960), a partir do Plano de Metas, favoreceu a expansão da indústria, principalmente a naval, e a da construção de refinarias para derivados de petróleo (Damas, 2008, p. 67). O objetivo principal de JK era incentivar de forma rápida o processo de industrialização que havia sido dinamizado no governo de Getúlio Vargas. O propósito de JK era ainda atrair investimentos e empresas multinacionais, principalmente do setor automobilístico. A integração do país, através da ampliação da malha rodoviária, se fazia necessária para alcançar seus objetivos e, com isso, impulsionar a expansão das rodovias. Esses investimentos em outro modal de transporte, e por conseguinte nas suas novas infraestruturas, impactou enormemente o esvaziamento e o esfacelamento das estradas de ferro, que acabaram sucateadas. Na Tabela 8, estão apresentados os empreendimentos implantados na cidade entre as décadas de 1930 e 1950.

Tabela 8 – Demonstrativos dos investimentos fabris da cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1939 e 1959

Gêneros

Ano

1939

1949

1959

Indústrias de Alimentação

716

979

1.235

Indústrias Têxteis

78

98

84

Indústrias do Vestuário

498

810

693

Indústrias Químicas

323

515

443

Indústrias Metalúrgicas

277

325

492

Indústrias Mecânicas

85

77

136

Outras Indústrias

739

1.570

1.868

Total

2.716

4.374

4.951

Fonte: Censo Industrial do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística: 1940, 1950 e 1960.

A Tabela 8 apresenta o perfil industrial da cidade do Rio de Janeiro entre as décadas de 1930 e 1950, período de consolidação do processo industrial carioca, a partir dos censos industriais elaborados pelo IBGE, dos anos de 1940, 1950 e 1960, todos referentes aos anos anteriores, ou seja, 1939, 1949 e 1959. O cenário político e econômico desse período favoreceu esse quadro evolutivo industrial. Isso se refletiu no quantitativo de instalações industriais na cidade, pois diante das dificuldades de importação, devido à crise econômica de 1929-1933 e os impactos da Segunda Guerra Mundial, o governo de Getúlio Vargas decidiu produzir no país o que se importava, apoiando a produção industrial brasileira. Essa situação é demonstrada na Tabela 8, na qual se observam mais investimentos em alguns setores, já no final da década de 1950, como da indústria alimentícia, da indústria metalúrgica e de outras indústrias, com um crescente para as indústrias de papel e papelão, borracha, couro, dentre outras, que compõem este gênero.

A indústria alimentícia teve um crescimento considerável entre os anos de 1939 e 1959, passando de 716 instalações fabris para 1.235 estabelecimentos industriais. Com a escassez de bens de consumo até então importados, surgiram nesse período importantes fábricas de alimentação, estando algumas delas ainda em funcionamento na cidade. A fábrica do café Capital (1943), fundada no centro da cidade, e a fábrica Piraquê (1950), estabelecida no bairro de Madureira, zona norte, exemplificam a produção de alimentos na cidade, entre as décadas de 1940 e 1950. Essa última produzia inicialmente biscoitos, diversificando posteriormente (1957) para massas alimentícias. E, como essas, várias outras fábricas passaram a suprir o mercado interno, fortalecendo, assim, a indústria nacional.

A indústria metalúrgica do período analisado teve um crescimento expressivo, terminando o ano de 1959 com 215 indústrias a mais que em 1939, assim como a indústria mecânica, fechando 1959 com 51 fábricas a mais que na década de 1930. Já a indústria química, como demonstrado na Tabela 8, teve uma pequena queda nas instalações, mas nada muito significativo, terminando o ano de 1959 com 72 indústrias a menos que na década anterior.

Com o desenvolvimento dessas indústrias pesadas, surgiu a necessidade da demanda de outros bens (indústria intermediária e de capital), que atendessem esses setores, como aço, materiais de construção, combustíveis, máquinas e equipamentos (Araújo, 2008, p. 30). A Standard Oil Company e a Companhia Siderúrgica Nacional, contribuíram para a evolução desse cenário industrial. As fontes de energia também foram controladas pelo governo, através do Código de Águas e de Minas (Mattos; Dottori; Silva, 1972, p. 271), também como forma de incentivar a indústria brasileira. Importantes empresas do setor energético foram criadas nesse período, como a Petrobras (1953) e a Eletrobras (1954).

Várias outras indústrias aproveitaram esse “surto da produção industrial” (Baer, 1985, p. 203) e, em especial, as instaladas no Rio de Janeiro, para desenvolver suas atividades, e entre elas está a indústria de papel e papelão, na produção de embalagens, que junto com as demais desse gênero (outras indústrias) fortaleceram o setor industrial na cidade.

Observa-se também na Tabela 8 um declínio das chamadas indústrias leves (tecidos, vestuários) em contraposição às indústrias pesadas. Esse incentivo às indústrias pesadas reflete a ideia de industrialização dos governos do período abordado na Tabela 8, pois os objetivos desses gestores eram a difusão dos valores industriais, com isso o “engrandecimento do país e o fortalecimento da nação para garantir a sua soberania e o aumento da sua capacidade de defesa” (Levy, 1994, p. 236).

Entre as décadas de 1930 e 1950, o Rio de Janeiro, capital federal, passou a ter maciços investimentos e mais incentivos públicos com a instalação de indústrias de bens de capital e de indústrias de bens de consumo duráveis (Araújo, 2008, p. 54), como a indústria automobilística. Era necessário para alcançar o avanço industrial, almejado pelos sucessivos governos, principalmente a partir da década de 1930, que se montasse uma infraestrutura que permitisse esse desenvolvimento.

Após a Revolução de 1930, moldou-se um novo sistema de transporte no país, no qual apontava-se para as rodovias como solução para o escoamento da produção nacional, constituindo para um nítido cenário de esfacelamento da malha ferroviária e um esvaziamento dos portos.

O saneamento da cidade, serviço que era realizado por empresas privadas, e que com o passar dos anos, e as alterações no cenário político administrativo da capital federal, principalmente, a partir da década de 1930, passam a ter uma presença estatal mais incisiva nos órgãos de controle, principalmente dos recursos naturais.

A partir da década de 1960, foram criados grandes parques industriais, promovendo uma desconcentração espacial dos investimentos industriais, tanto na cidade como na regiãometropolitana. Ao longo do século XX, com sucessivas crises econômicas, muitos desses empreendimentos fecharam as portas, principalmente entre as décadas de 1980 e 1990, que presenciaram profundas transformações no cenário político e econômico brasileiro8 (Vainfas; Faria; Ferreira; Santos, 2010, p. 394). O perfil industrial da cidade iniciado em meados do século XIX foi ficando em segundo plano. A cidade com o passar dos anos foi agregando novos perfis, sem, contudo, deixar de ser uma cidade industrializada.

Os remanescentes fabris na paisagem urbana da cidade

Apesar da produção fabril apresentada acima, pouco restou das instalações que contribuíram para o desenvolvimento industrial da cidade do Rio de Janeiro. Ao longo dos anos, a cidade passou por diversos planos diretores e reformas urbanísticas que contribuíram para alterar o seu perfil. Inicialmente como cidade industrial, no primeiro período abordado (1859-1889); passando seus gestores, no alvorecer da Primeira República, a enaltecer suas belezas naturais com fins econômicos, conferindo ao Rio de Janeiro o cognome de Cidade Maravilhosa; e como cidade cultural, entre as décadas de 1930 e 1960, sendo considerada à época capital cultural do Brasil. Assim, o Rio de Janeiro já não era a cidade mais industrializada do país, perdendo esse título no início do século XX para a cidade de São Paulo, sem – contudo – deixar de ser industrial (Brasil, 2022, p. 46). Por outro lado, essas alterações de perfis trouxeram consequências para a preservação desses vestígios industriais, cenário influenciado por um contexto político e social conturbado no Brasil e no mundo. Embates por melhores condições de trabalho, greves, manifestações, prisões, epidemias, cresceram juntamente com o desenvolvimento industrial e tiveram, no Brasil, seu ápice entre as décadas de 1930 e 1980.

Contudo, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a reestruturação dos países, principalmente os afetados pelos conflitos, deu-se início a um processo de desindustrialização e de alterações das antigas formas de produção, que provocaram profundas transformações nas indústrias.

Com todas as mudanças, os setores fabris e industriais que não se adaptaram a essa nova fase tecnológica, que não investiram na compra de equipamentos mais modernos e na sua força de trabalho, acabaram sendo sufocados por indústrias mais competitivas. De modo geral, esse processo de diminuição das indústrias, e consequentemente da sua força produtiva na geração de riquezas, é denominado de desindustrialização. Esse processo, no Brasil, se refletiu mais nitidamente entre as décadas de 1980 e 1990, diante de sucessivas crises econômicas provocadas pela abertura comercial e financeira, desregulamentação da economia e índices elevados de inflação, que prejudicaram o setor industrial (Morceiro, 2012, p. 94).

Alguns desses remanescentes ainda se encontram na paisagem da cidade, assumindo novas funções, permitindo ao local onde estão situados, na maioria das vezes, sua sustentabilidade. Porém, esses remanescentes fabris são testemunhos de parte da história industrial e econômica da cidade do Rio de Janeiro. Muitos desses empreendimentos influenciaram a vida social, política, econômica e cultural da cidade. São fábricas que, como já apresentado, produziram tecidos, bebidas, ferro, dentre outros artigos que permitiram, à cidade do Rio de Janeiro, seu crescimento industrial.

Das inúmeras fábricas instaladas na cidade do Rio de Janeiro, entre meados do século XIX e a primeira metade do século XX, pode-se identificar na contemporaneidade um contingente bastante reduzido. São espaços fabris que foram descaracterizados para atender a outras demandas culturais e comerciais. Na tabela 9 abaixo, estão apresentados alguns desses remanescentes encontrados na cidade, desconectados da história industrial carioca.

Tabela 9 – Remanescentes fabris localizados na cidade do Rio de Janeiro

ESPAÇOS CULTURAIS

Atividade anterior

Atividade atual

Inauguração/

Encerramento

Conversão

Local

Gestão

Casa da Moeda

Arquivo Nacional

1868/1983

1910/1992

Centro

Pública

Cia. Hanseática (Brahma

Centro Coreográfico da Prefeitura da do RJ

1910/1992

2004

Tijuca

Privada

Fábrica D’Almeida Comércio
e Indústria de Ferro Ltda.

Centro Cultural Fundição Progresso

1881/1976

1881/1976

Centro

Privada

Fábrica Bhering

Polo de produção de arte e cultura

1934/1990

1934/1990

Santo Cristo

Privada

ESPAÇOS COMERCIAIS

Progresso Industrial do Brasil (Fábrica de Tecidos Bangu)

Bangu Shopping

1893/2005

2007

Bangu

Privada

Cia. Hanseática (Brahma)

Supermercado

1910/1992

2004

Tijuca

privada

Cia. de Fiação e Tecidos Confiança Industrial

Supermercado

1884/1960

1979

Vila Isabel

Privada

Cia. de Tecidos Nova América

Shopping Nova América

1925/1991

1995

Del Castilho

Privada

Fonte: Brasil, 2022, p. 168; 171.

Do primeiro período abordado, de 1859 a 1889, restaram apenas três instalações fabris, que na atualidade são o Arquivo Nacional, antiga Casa da Moeda, o Centro Cultural Fundição Progresso, antiga fábrica de fogões Progresso, e a Companhia de Fiação e Tecidos Confiança Industrial, atual supermercado Assaí Atacadista.

Nesses espaços ou em seus sítios oficiais até se encontram algumas informações sobre as antigas atividades fabris, mas desconectadas da história industrial da cidade do Rio de Janeiro. No Arquivo Nacional, por exemplo, é possível agendar visita guiada ao conjunto arquitetônico para conhecer as antigas instalações da fábrica de moedas, inclusive a chaminé. O Centro Cultural Fundição Progresso ainda mantém no frontão da sua fachada o nome da antiga fábrica e ornamentação alusiva à antiga atividade de fundição de metal. Nas instalações do supermercado Assaí, ainda se encontram algumas referências à fábrica, inclusive uma placa em uma das entradas com um breve histórico da antiga fábrica, próximo à vila operária construída pela companhia fabril.

Do segundo período, de 1889 a 1930, restam os remanescentes de três instalações fabris. A Companhia Progresso Industrial (Fábrica Bangu), atual Bangu Shopping; a Companhia Hanseática Brahma, tendo nas suas instalações o Centro Coreográfico da Prefeitura do Rio de Janeiro e o supermercado Extra; e na Cia de Tecidos Nova América, o Shopping Nova América.

O Bangu Shopping preservou a fachada e a chaminé da Companhia Progresso Industrial, uma das primeiras indústrias têxteis do país, que além de grande participação na vida econômica da cidade e do Brasil, também atuava no setor cultural. A Fábrica Bangu, por exemplo, fornecia tecidos, inclusive para o exterior e para o cinema brasileiro, além de ditar moda na “alta sociedade”, patrocinando desfiles e criando o concurso Miss Elegante Bangu, que originou o Miss Brasil, com o intuito de promover os tecidos de algodão feitos no Brasil. A Companhia Hanseática, construída em 1910, foi adquirida em 1941 pela Companhia Cervejaria Brahma. Foi uma das primeiras fábricas de bebidas, assim como as fábricas de tecido, nos bairros da Tijuca e Andaraí, a utilizar a força hidráulica. A única referência às atividades industriais é o nome da fábrica na sua fachada.

Do terceiro período, de 1930 a 1950, encontra-se ainda na paisagem da cidade a fábrica de chocolates Bhering, onde hoje funciona um polo gastronômico e cultural. Fundada na cidade ainda no século XIX (1880), foi a primeira fábrica a produzir chocolate e café moído. Instalada inicialmente na rua Sete de Setembro, teve seu prédio demolido, por conta das obras de modernização na reforma urbana de Pereira Passos, tendo se deslocado para a rua Treze de Maio. Na década de 1930, se instalou na zona portuária do Rio de Janeiro. No local ainda se encontram 14 máquinas que foram utilizadas na fabricação de seus produtos. Além do maquinário, que está identificado com placas com a função dos objetos, na fachada da fábrica ainda é possível encontrar o nome na entrada, o relógio da torre, a escadaria e a chaminé.

Considerações finais

A análise nos periódicos abordados possibilitou confirmar que a cidade do Rio de Janeiro teve seus primeiros incentivos industriais em meados do século XIX e que, a partir do alvorecer da República, novos investimentos foram surgindo na cidade, muito em face das reformas implantadas na então capital da nova República.

A imagem divulgada pelos gestores entre o final do século XIX e início do XX era de uma cidade industrializada e salubre, principalmente após as primeiras reformas urbanas, percebidas nos diversos anúncios dos periódicos publicitários. Em decorrência dos investimentos em infraestrutura, a cidade atraiu inúmeras instalações fabris de diversos gêneros e representantes de fabricantes estrangeiros. O Rio de Janeiro foi cenário para a instalação de grandes fábricas, havendo alguns remanescentes ainda na paisagem urbana. O Rio de Janeiro, ao longo de sua história, foi agregando diversos perfis, sem, contudo, deixar de ser uma cidade industrializada.

Esse perfil industrial da cidade pode ser identificado nos diversos remanescentes deixados na paisagem urbana. Após sucessivas reformas urbanas e diversos planos econômicos, as instalações fabris que não se adaptaram aos novos tempos e às novas tecnologias tornaram-se obsoletas, principalmente quanto à forma de produção, muito calcada na força do trabalho operário. Algumas dessas edificações “sobrevivem” sendo ocupadas por outras atividades. São instalações que fizeram parte da história industrial do Rio de Janeiro e que, infelizmente, se encontram sem conexão com o processo industrial pelo qual passou a cidade. Nesse sentido, qual o propósito de se converter funcionalmente antigas edificações fabris mantendo apenas algumas de suas características industriais? A história do Rio de Janeiro passa, necessariamente, pelo seu processo industrial, materializado pelos remanescentes de suas fábricas e indústrias que precisam ser compreendidos, como símbolos de progresso ou de fracasso. Nesse sentido, os vestígios materiais industriais são um importante meio para a construção dessa história.

Referências

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Recebido em 30/11/2023

Aprovado em 18/3/2024


Notas

1 Os estudos de Celso Furtado com base nos eventos citados criaram condições favoráveis à produção interna de bens manufaturados brasileiros após 1930.

2 Queda da Bolsa de Nova Iorque em 1929.

3 Estaleiro e fundição da Ponta da Areia (Niterói/RJ); Cia. de Rebocadores a vapor para o Rio Grande do Sul; Cia. Fluminense de Transportes; Banco do Brasil; Cia. de Diques Fluminense; Cia. de Curtume; Cia. de Luz Esteárica (velas); Montes Áureos Brazilian Gold Mining Co.; cabo submarino do Rio de Janeiro a Europa; abastecimento de água do Rio de Janeiro; navegação a vapor do rio Amazonas; Cia. Agrícola Pastoril do Rio Grande do Sul; Banco Mauá & Cia., além de diversas estradas de ferro, entre 1846 e 1874.

4 Aleixo Gary foi um pioneiro empresário francês que no século XIX estruturou os serviços de limpeza urbana na cidade do Rio de Janeiro, que passou a designar por "gari" os profissionais responsáveis pela limpeza das ruas da cidade.

5 A primeira fábrica fundada em 1874 foi demolida por conta das obras de remodelação da cidade no início do século XX. A antiga fábrica da Perfumaria Kanitz, que se encontra hoje abandonada na rua Washington Luiz, n. 117, no centro da cidade do Rio de Janeiro, próximo aos bairros de Santa Teresa e Lapa, foi fundada em 1922. A marca Kanitz ainda se encontra no mercado, e atualmente a fábrica localiza-se no bairro do Engenho Novo, zona norte da cidade.

6 “O primeiro recenseamento que cobriu a atividade industrial foi o de 1920. Antes disso houve, no entanto, pelo menos dois inquéritos de âmbito nacional referentes ao conjunto da indústria, em 1907 e 1912. [...]”

7 Publicado pelos irmãos Eduard e Henrich Laemmert, logo conquistou a credibilidade da população carioca, que já em 1848 foi mencionado no Diário do Rio de Janeiro, pela importância da impressão de um guia com dados sobre o comércio e a indústria do Rio de Janeiro.

8 Abertura política, com o fim do Regime Militar (1979); convocação de eleições diretas (1984) e promulgação de uma nova Constituição (1988). O cenário conturbado com troca presidencial, alta da inflação, desvalorização e mudança da moeda nacional fez com que importantes empreendimentos cessassem suas atividades.


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