Acervo, Rio de Janeiro, v. 37, n. 2, maio/ago. 2024
Artigos Livres
Os acervos da Biblioteca Histórica e da Sala Raja Gabaglia do Colégio Pedro II como fontes de estudos e pesquisas para o campo da geografia
The collections of Colégio Pedro II’s Historical Library and the Raja Gabaglia Room as sources for studies and research in the field of geography / Los fondos de la Biblioteca Histórica del Colégio Pedro II y la Sala Raja Gabaglia como fuentes de estudio e investigación para el campo de la geografía
Isabella Belmiro Araujo
Doutora em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Professora na Faculdade de Formação de Professores da UERJ, Brasil.
Márcio Ferreira Nery Corrêa
Doutor em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Professor titular do Departamento de Geografia do Colégio Pedro II, Brasil.
Tatyana Marques
de Macedo Cardoso
Doutora em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Bibliotecária do Colégio Pedro II, Brasil.
Vitor de Araujo Alves
Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor de Geografia do quadro permanente do Colégio Pedro II, Brasil.
Resumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar a criação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da Geografia e Geografia Histórica no Colégio Pedro II (Nepehgeo/CPII) e sua relação com a Biblioteca Histórica e a Sala Raja Gabaglia, ambas situadas no campus Centro. Para isso, iremos apresentar os objetivos do Núcleo, assim como expor parte dos acervos que contam com obras do século XVIII ao século XX.
Palavras-chave: história da geografia; Colégio Pedro II; Biblioteca Histórica; Sala Raja Gabaglia.
Abstract
This article aims to present the creation of the Center for Studies and Research in History of Geography and Historical Geography at Colégio Pedro II (Nepehgeo/CPII) and its relationship with the Historical Library and Raja Gabaglia Room, both located on the Centro campus. For this, we will present the objectives of the Nucleus, as well as expose part of the collections which have works from the 18th to the 20th century.
Keywords: history of geography; Pedro II School; Historical Library;Room Raja Gabaglia.
Resumen
Este artículo tiene como objetivo presentar la creación del Centro de Estudios e Investigaciones en Historia de la Geografía y Geografía Histórica del Colégio Pedro II (Nepehgeo/CPII) y su relación con la Biblioteca Histórica y la Sala Raja Gabaglia, ambas ubicadas en el campus Centro. Para ello, presentaremos los objetivos del Núcleo, así como también expondremos parte de las colecciones que cuentan con obras del siglo XVIII al XX.
Palabras clave: historia de la geografía; Colegio Pedro II; Biblioteca Histórica; Sala Raja Gabaglia.
O Nepehgeo e seus propósitos: a memória é um deles
O Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da Geografia e Geografia Histórica do Colégio Pedro II (Nepehgeo) foi criado no início de 2023, mas o seu esboço vem sendo maturado há muito mais tempo, sendo fruto de longo e profundo exercício de reflexão teórica e empírica no bojo dos vastos e ricos campos que o motivaram a atuar.
Ambientado em uma das instituições mais representativas da história da educação brasileira, além de guardiã da memória nacional, o Nepehgeo tem por objetivo precípuo promover estudos e pesquisas sobre a mútua implicação entre geografia escolar e formação socioespacial brasileira, mobilizando, por essa razão, a necessidade de dispor, de maneira mais organizada e sistemática, de fontes que componham a materialidade indispensável à produção e ao esforço analítico de pesquisas de nítido caráter historiográfico e geográfico. Essa tarefa, em parte, já se servia da existência do admirável acervo fornecido pelo Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II (Nudom), cujo reconhecimento chegou a ser objeto de menção e reflexão no dossiê “Colégio Pedro II – lugar de memória da educação brasileira” e, mais especificamente, no artigo “Uma reflexão teórico-metodológica para a produção historiográfica da geografia escolar oitocentista” (Cf. Corrêa, 2015); porém, ressentiu-se de maior acesso a outros dois acervos do Colégio: a Biblioteca Histórica e a Sala Fernando Antonio Raja Gabaglia, esta última pertencente ao Departamento de Geografia e ao campus Centro.
Ambos serão considerados mais amiúde neste artigo, constituindo-se como objeto principal. É preciso enfatizar que as pesquisas historiográficas bem como geográficas costumam ressentir-se de maiores elementos para o desenvolvimento de estudos, e parte expressiva das lacunas documentais associam-se ao irregular apreço ou mesmo negligência de parcela significativa da sociedade e, sobretudo, de autoridades públicas (particularmente as do Brasil) em relação às memórias nacional e institucionais. É evidente que aqui se pensa em memória nos termos cunhados por Pierre Nora, quando diz:
Tudo o que chamamos hoje de memória, não é, portanto, memória, mas já é história. Tudo o que chamamos de labareda de memória é a consumação de seu desaparecimento no fogo da história. A necessidade de memória é uma necessidade de história.1 (Nora, 1984, p. XXV, grifos nossos)
O comentário acima não é fortuito, tem sentido figurado e profundo e sentido literal e lastimável, uma vez que as instalações onde ficavam arquivados alguns importantes documentos administrativos e históricos do Colégio Pedro II foram dizimadas num incêndio sofrido no prédio do Internato no ano de 1961, conforme assinala trecho da obra O Colégio Pedro II: contribuição histórica aos 175 anos de sua fundação:
Em 17 de janeiro de 1961 ocorreu um incêndio que destruiu totalmente o prédio do Internato. Nos jornais da época destacaram-se os gritos dos alunos: ‘salvem os livros’ em demonstração inequívoca da importância que davam para a sua formação e de extremo apreço pela cultura e formação acadêmica proporcionada pela Instituição. (Comissão de Atualização da Memória Histórica do Colégio Pedro II, p. 57, 2013)
O evento naturalmente nos faz enfatizar a importância de considerar entre os objetivos específicos do Núcleo a tarefa de colaborar no esforço institucional em aglutinar, recuperar, manter, catalogar e disponibilizar os acervos históricos do Colégio Pedro II, particularmente os de interesse da geografia, tendo por mola mestra o propósito de preservar a memória institucional e nacional da educação brasileira e, especificamente, da geografia brasileira.
A Biblioteca Histórica do Colégio Pedro II e os livros de geografia
A Biblioteca Histórica do Colégio Pedro II (CPII) foi constituída para auxiliar o corpo docente, garantir a formação intelectual e o desempenho escolar do seu corpo discente. Sua menção pode ser localizada no regulamento n. 8, de 31 de janeiro de 1838, que contém vários estatutos que tratam da estrutura organizacional da escola. Seu acervo, materializado nas diferentes disciplinas que compunham os programas de ensino do Colégio, está dividido em acervo antigo e coleções especiais.
O acervo antigo é constituído por livros didáticos adotados na instituição e por periódicos e obras gerais que datam do século XVI até o início do século XX, em diferentes línguas, principalmente a língua francesa. Dentre algumas das relíquias que a Biblioteca Histórica possui está o exemplar Sertum Palmarum Brasiliensium, de João Barbosa Rodrigues, editado em 1901. Essa obra constitui uma das mais importantes para a história natural, uma vez que o naturalista brasileiro registrou e catalogou várias espécies da flora brasileira.
As coleções especiais presentes na Biblioteca Histórica são constituídas por obras particulares de docentes e discentes que tiveram destaque na vida pública e no interior do Colégio Pedro II. Foram doadas à instituição, visando a sua conservação e preservação. Fazem parte dessas coleções: a Biblioteca do Professor Cândido Jucá Filho, especializada em língua portuguesa; a Biblioteca do Professor Haroldo Lisboa da Cunha, especializada em matemática; a Biblioteca do Professor Roberto Bandeira Accioli, especializada em história; a Biblioteca do Aluno Eminente Hélio Thys, especializada em comunicação. Todos os professores citados foram catedráticos, isto é, pertenciam à categoria mais elevada da carreira do magistério do Colégio, fazendo parte da antiga Congregação.2 Essa era responsável por tudo que ocorria no interior da escola, desde a escolha dos currículos até a organização dos concursos.
Junto da Biblioteca Histórica está, também, o Centro de Estudos Linguísticos e Biblioteca Antenor de Veras Nascentes, que ficava localizado no campus São Cristóvão II, tendo sido criado no dia 25 de agosto de 1992. Na época, os professores Wilson Choeri e Aloysio Jorge do Rio Barbosa foram os responsáveis pelo recebimento de todo o acervo doado ao educandário.
No ano de 2017, este único setor foi transportado para o campus Centro, berço da instituição de ensino que guarda significativa parcela da memória histórica da instituição, juntando-se à sala que atualmente abriga as coleções especiais.
A Biblioteca Histórica possui inúmeras obras raras em diferentes áreas do conhecimento. Durante um longo período, ela ficou fechada e sem condições de uso. No entanto, desde 2019 vem paulatinamente sendo organizada e está em fase de reabertura ao público. Nós, enquanto núcleo de pesquisa em fase inicial de formação, ainda estamos nos primeiros passos da pesquisa documental, buscando identificar, num primeiro momento, o acervo que a Biblioteca Histórica e a Sala Raja Gabaglia possuem. Desse modo, estamos conhecendo e reconhecendo os espaços e seu funcionamento, escarafunchando os arquivos, desvendando os “guardados” que podem nos servir e tentando dar sentido e importância aos diversos tipos de acervo que nos é evidenciado.
Repleto de um patrimônio documental único e singular, estas fontes de informação presentes, tanto na Biblioteca Histórica quanto na Sala Raja Gabaglia, podem ser consideradas legados da história da educação brasileira, ecoando memórias que combatem o esquecimento. Por essa razão, como parte da memória e do patrimônio de um país, esses acervos, pertencentes às inúmeras instituições escolares, devem ser valorizados e preservados para que não sejam esquecidos e amontoados como depósitos de “velharias”, garantindo à sociedade o direito e o dever de memória.
Os arquivos escolares são espaços importantes na guarda de informações e se constituem em grandes potenciais informativos relacionados ao funcionamento da instituição. Sua função é compreendida a partir das análises das “fontes”, ou seja, com a análise do material contido no arquivo é possível compreender os fenômenos educativos e os processos de socialização que ocorrem dentro da escola e na sociedade através do tempo. (Sobreira, 2020, p. 73)
A localização das obras e, consequentemente, de nossas fontes de pesquisa não tem sido algo dado, mas construído com possíveis interpretações que vamos negociando e encontrando sentido. Assim, levantamos, selecionamos e anotamos o que nos parece pertinente para os objetivos do nosso núcleo de estudos e pesquisas, buscando conhecer os fundos e as histórias que estão por detrás das peças documentais que chegam às nossas mãos, sobretudo, dentro do contexto de sua época e dentro de suas particularidades.
Por se tratar de livros raros, muitos deles estão fragilizados pelo tempo, e, por isso, é preciso muito cuidado ao manuseá-los. Além disso, há uma grande quantidade de obras que estão encaixotadas, aguardando pelo processo de higienização, que só pode ser feito por uma empresa especializada, mas que está em fase de abertura de licitação.
Mediante essa reativação, dois docentes de geografia de campus diferentes, Tijuca e Engenho Novo, e a bibliotecária responsável pela Biblioteca Histórica (também com formação de licenciatura em geografia) demonstraram o interesse em criar um núcleo onde pudessem pesquisar e estudar tanto a história da geografia como a geografia histórica. A partir desse desejo, convidaram uma professora/pesquisadora externa que também possui formação em geografia para fundar o Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da Geografia e Geografia Histórica no Colégio Pedro II (Nepehgeo/CPII).
Esse processo de fundação já está instituído no âmbito do mencionado Colégio (particularmente vinculando-se à Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura) e em vias de consolidação junto ao CNPq (mais especificamente no Diretório de Grupos de Pesquisa). No entanto, o nosso trabalho de estudo e pesquisa já havia iniciado, sobretudo realizando levantamento do acervo de livros da Biblioteca Histórica e de mapas, gravuras, quadros, instrumentos e aparelhos da Sala Raja Gabaglia. Essa fase inicial da pesquisa justamente nos permitiu verificar a relevância e a potência do material que o Colégio Pedro II possui, abrindo uma promissora fronteira para inéditos trabalhos nos campos envolvidos ou mesmo em outros originalmente não vislumbrados no projeto.
Perante o exposto, iremos trazer uma tabela com as obras que já conseguimos localizar, editadas no século XIX, e que, possivelmente, são únicas e raras, podendo servir para inúmeras pesquisas acadêmicas, sejam essas no campo da geografia, biblioteconomia, arquivologia e outras ciências afins. Cabe enfatizar que localizamos outros livros do século XVIII até o século XX, mas para este artigo daremos ênfase às obras do século XIX, justamente por ter ocorrido a fundação do Colégio em 1837, assim como marcou o início da expansão da ideia da escola universal, laica, gratuita e obrigatória.
Abaixo, apresentamos uma tabela com algumas obras literárias e a sua respectiva localização no arquivo:
Tabela 1 – Livros de geografia do século XIX e sua localização na Biblioteca Histórica do Colégio Pedro II
Obra |
Localização |
ABREU, J. G. da Gama e. Do Amazonas, do Sena, Nilo e Danubio. Lisboa: Typ. Universal, 1874. v. 2 |
G200 |
ALVA IXTLILXOCHITL, Fernando de. Civtates horribles des conquérante du Mexique: memoires. Paris: A. Bertrand, 1838. 312 p. |
G184 |
ALVA IXTLILXOCHITL, Fernando de. Histoire des chichimiques ou des anciens rais de Tezcuco. Paris: A. Bertrand, 1840. 312 p. |
G189 |
ANTHON, Charles. A system of ancient and medieval geography. New York, 1855. 709 p. |
G155 |
ARARIPE, Tristão de Alencar. Cidades periféricas e inscripções lapidares no Brasil. Rio de Janeiro, 1886. |
G246 |
ASSUMPÇÃO, Thomas de Lino. Narrativas do Brazil (1876-1880). Rio de Janeiro: Livraria Contemporânea, 1881. 221 p. |
G193 |
BAEDEKER, Karl. Paris e cercanias. Leipzig von Karl Baedeseer, 1896. 388 p. |
G325 |
BAEDEKER, Karl. Regiões do rio Reno. Leipzig von Karl Baedeseer, 1899. |
G316 |
BALBI, Adriano. Tratado de geographia universal. Paris: Avilland, 1838. v. 1 e 2. |
G218 |
BALBI, Adriano. Tratado de geographia... Paris: Avilland, 1858. v. 1 e 2. |
G194 |
BELMAR, A. de. Voyage aux provinces Bresiliennes du Pará et des Amazones em 1860, precede dun rapide coup d’oeil sur le litoral du Brésil. Londres, 1861. 233 p. |
G34 |
BERENGER, Mr. Geographie de Buschiny. Lansanne: Chez la Société Typographique, 1776. v. 1 a 11. |
G A-1 26 |
BEZERRA, Antonio. Notas de viagem ao norte do Ceará. 2. ed. Lisboa: Typ. do Annuario Comercial, 1889. 414 p. |
G27 |
BONNEFOUS, Jean de. Em Amazonie. 1898. 255 p. |
G35 |
BOUFFARD, L. Histoire generale du monde et de les granch phénomènes ou geographie nouvelle. Paris: Ducherissan, 1866. 1 ª parte: Cosmographie. |
G349 |
BOUGIER, Louis. Precis de geographie physique, politique et militaire. Paris: Lib. Germer Bailliere, 1882. 820 p. |
G137 |
BRACONNIER, Edward. Aplications de la geographie a l’histoire. Paris: Chez Simon, 1845. v. 1 e 2. |
G55 E G207 |
BRAZIL, Thomaz Pompeo de Souza. Compêndio de geographgeografiaia. Fortaleza: Typ. Paiva e Companhia, 1856. 526 p. |
------ |
BRAZIL, Thomaz Pompeo de Souza. Compêndio elementar de geografia geral e especial do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Domingos José Brandão, 1859. 516 p. |
G132 |
BUCHHOLZ, E. Homerische kosmographie und geographie. Leipzig: Verlag von Wilhelm Engelmann, 1871. |
G215 |
CABELLO BALBOA, Miguel. Histoire du Pérou. Paris: A. Bertrand, 1840. 331 p. |
G185 |
CARNEIRO, Bernardino J. da S. Elementos de geografia e chonologia para uso das escholas. 5. ed. Coimbra: J. Augusto Orcel, 1858. |
G443 |
CASTAÑEDA DE NÁJERA, Pedro de. Reflection du voyage de Cibola, entrepris em 1540. Paris: A. Bertrand, 1838. 392 p. |
G182 |
COTTEAU, Edmono. De Paris au Japaon a travers la Sibérie: voyage du gmai. Paris: Libraire Hachette et cie., 1883. 450 p. |
G169 |
COUDREAU, Henri. Études sur les guyanes et l’amazonie: la France équinoxiale. Paris: Challamael Ainé, 1887. v. 1 e 2. |
G13 |
COUDREAU, Henri. Voyage au Xingu. Paris: A. Lahure, 1897. 230 p. |
G6 |
COUDREAU, Henri. Voyage au Tapajoz. Paris: A. Lahure, 1897. 214 p. |
G26 |
COUDREAU, Henri. Voyage au Tocantins - Araguaya. Paris: A. Lahure, 1897. 298 p. |
G353 |
COUDREAU, Henri. Voyage au Yamanda. Paris: A. Lahure, 1899. 165 p. |
G393 |
COURS SPÉCIAL DE GEOGRAPHIE (des écoles chrétiennes). Paris: Poussielque, 1880. 586 p. |
G375 |
DARWIN, Charles. Voyage d’un naturaliste antoiur du monde. Paris: C. Reinwald, 1875. 552 p. |
G202 |
DUBOIS, Marcel; COLY, Camille. Album geographique. 1896. v. 1, 2 e 3. |
G51 e G159 |
DUPONCHEL, Aug. Nouvelle bibliothèque des voyages anceiens et modernes. Paris: Chez P. Duménil, 1841. v. 1 ao v. 11. |
G162 |
DUSSIEUX, L. Cours de geográphie physique et politique. 6. ed. Paris: Lecoffre Fils, 1869. 363 p. |
G399 |
EIFEL-FUHRER (Região do Eifel). Triestre: H. Stpehanus, 1889. 228 p. |
G317 |
ENGELHARDT, Ed. Etudes sur les embouchures du Danube. Galatz: F. Thiel, 1862. 109 p. |
G415 |
FEDERMANN, Nicolau. Narration du premier voyage de Nicolas Federmann le jeune. Paris: A. Bertrand, 1837. 257 p. |
G179 |
FERNANDEZ Y GONZALEZ, Modesto. De Madrid ao Porto passando por Lisboa. Madrid: Imprenta y function de M. Tello, 1874. 526 p. |
G176 |
FERREIRA, Manoel Jesuíno. A província da Bahia: apontamentos. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1875. 132 p. |
G29 |
FIGURER, Louis. Les races humaines. Paris: Libraire Hachette, 1872. 636 p. |
G136 |
FISCHER, Theobald. (Artigos sobre geografia física dos países mediterrâneos). Leipzig: Fuess, 1877. |
G281 |
FREESE, João Henrique. Compêndio de geografia e história. 4. ed. Rio de Janeiro: A. G. Guimarães, 1871. 126 p. |
G398 |
FREITAS, P. Senna. Observações críticas e descrições de viagem. Campinas: Typ. do Livro Azul, 1888. v. 1. |
G396 |
FRONTIERES entre le Bresil et la Guyane Française. 1899. v. 1. |
G227 |
Fonte: elaborada pelos autores com base nas fichas catalográficas.3
De acordo com a tabela 1, pudemos perceber que algumas obras evidenciam a “geografia dos viajantes”. Isto é, no século XIX, uma das tendências do campo da geografia era a descrição de viagens. Cabe ressaltar que alguns estrangeiros vieram para o Brasil com o intuito de desenvolver estudos, cujo objetivo era conhecer melhor o país que agora abrigava a família real portuguesa. Assim, naturalistas fizeram diversos estudos e contribuíram sobretudo para conteúdos identificados sob a designação de “geografia física” ou, mais tarde, de “geomorfologia”.4 Os estudos foram desde a cidade do Rio de Janeiro, o interior fluminense, a costa brasileira e até as terras mais ermas de regiões afastadas do Brasil, hoje identificadas pelas designações Norte, Nordeste, Centro Oeste e Sul.5
Também foi possível notar o fato de que boa parte das obras terem sido editadas em línguas estrangeiras, sobretudo na francesa, trazendo-nos a evidência de que as edições de livros no século XIX eram feitas, em sua maioria, por editoras fora do país, uma vez que o Brasil ainda não possuía um grande número de editoras e tipografias/gráficas nacionais nem grandes incentivos para isso.6
Como bem expõe El Far (2006, p. 15-16), com a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, uma série de mudanças aconteceram na cidade carioca, principalmente para abrigar todo o aparato administrativo e burocrático do governo. O historiador Boris Fausto (2013) também pontuou acerca das modificações ocorridas no Rio de Janeiro com a chegada da família real:
Em setembro de 1808, veio a público o primeiro jornal editado na Colônia; abriram-se também teatros, bibliotecas, academias literárias e científicas, para atender aos requisitos da corte e de uma população urbana em rápida expansão. Basta dizer que, durante o período de permanência de Dom João VI no Brasil, o número de habitantes da capital dobrou, passando de cerca de 50 mil a 100 mil pessoas. Muitos dos novos habitantes eram imigrantes, não apenas portugueses, mas espanhóis, franceses e ingleses que viriam a formar uma classe média de profissionais e artesãos qualificados. (Fausto, 2013, p. 109)
Dentro desse contexto, em 1808, também foi criada a Imprensa Régia, cuja principal finalidade era editar e divulgar as legislações e papéis diplomáticos do serviço real. Desse modo, a imprensa em terras brasileiras já existe há mais de dois séculos e nos proporciona memórias específicas da editoração de documentos, livros etc. Trazendo parte desta história, El Far elucidou:
Poucos meses depois, até mesmo pela falta de outras tipografias no país e pela demanda de feitos ligados à arte, cultura e oratória, o governo português deu à Impressão Régia, que ao longo do tempo receberia diferentes nomes, um uso mais difuso, permitindo em seus prelos a passagem de textos literários e de conhecimentos gerais. (El Far, 2006, p. 16)
Mediante o exposto, podemos perceber que mesmo com a implementação de uma editora própria e oficial, o governo português não dava conta de toda a necessidade de editoração e impressão, que foi se tornando cada vez mais crescente no Brasil imperial. Cabe salientar que anos depois o Colégio Pedro II foi fundado, em 1837. Isto é, cerca de trinta anos após a vinda da família real para o Brasil, o que aumentou a necessidade por obras didáticas, mapas, atlas e diversos outros impressos necessários para a relação de ensino-aprendizagem e, assim, foi preciso importar obras de outros países ou, ainda, recorrer a editoras que abriram filiais no país. A exceção (ou uma das poucas exceções) foi realmente o Compêndio de geografia elementar escrito por Justiniano da Rocha, em 1ª edição, em 1838 (conforme menciona a nota número 6).7
Para além do compêndio produzido por Justiniano, um exemplo possível de uma das obras literárias no campo da geografia encontrada na Biblioteca Histórica é a Geographie – physique, politique et économique de la France, editada pela Garnier Frères, em 1875. De acordo com Hallewell (2017), a referida editora e livraria abriu filial na cidade do Rio de Janeiro, instalando-se na década de 1840, na rua da Quitanda, n. 97, transferindo-se posteriormente para a rua do Ouvidor, n. 105 – logradouro onde se encontravam as mais conhecidas livrarias e outras lojas que traziam artigos de luxo franceses, reproduzindo um pouco do que Paris poderia proporcionar, sobretudo o seu glamour, com elevados preços.
Tal editora funcionou no Brasil de 1844 a 1934. Nas primeiras décadas, os livros eram impressos em Paris e só em 1873 passaram toda a tipografia para a cidade do Rio de Janeiro, diminuindo os custos com o frete ultramarino e encurtando o tempo da impressão/lançamento das obras e, consequentemente, aumentando suas atividades e tornando os livros menos caros. E, por isso, é possível hoje reconhecer tais livros nas estantes da Biblioteca Histórica do Colégio Pedro II (ver Figura 1).

Figura 1 ‒ Contracapa do livro Géographie: physique, politique et économique de La France, de 1875, editado pela livraria Garnier Frères
Foi também a editora e livraria Garnier que apostou mais maciçamente nos livros escolares, que até a década de 1850 eram poucos. De acordo com Hallewell, “o mercado ainda era extremamente pequeno quando Baptiste Garnier se tornou o primeiro editor a envidar um verdadeiro esforço para atender às necessidades de livros escolares brasileiros e assumir um risco comercial por sua própria iniciativa” (Hellewell, 2017, p. 242), coincidindo com os primeiros anos de existência do Colégio Pedro II (instituição que era referência para outros colégios secundários brasileiros), o que nos evidencia a abertura de um nicho propício para o comércio de obras didáticas e que paulatinamente foi crescendo, principalmente no final do século XIX, quando se tornou mais rentável.
Apesar de nem todos os livros do acervo serem didáticos, uma parte deles são desta natureza, o que demonstra a importância de tais obras. Como bem salientou Alves:
Acompanhar a trajetória do Colégio Pedro II, estabelecimento de ensino secundário mantido pela corte e imposto como modelo para os demais, permite apreender tendências que definiram as características dos textos escolares no Brasil ao longo do século XIX e na primeira metade do século XX. A experiência desse colégio demonstra que, nas matérias de seu plano de estudos, os compêndios passaram a dominar amplamente o universo dos textos didáticos. (Alves, 2015, p. 23)
A importância da livraria e editora Garnier era tão grande que seu proprietário, Baptiste Louis Garnier, recebeu do próprio imperador d. Pedro II, o título de “livreiro e editor do Instituto Histórico e Geográfico” e uma comenda da Ordem da Rosa pelos serviços prestados às letras nacionais (El Far, 2006, p. 21). De acordo com o prestígio e o poder proferido pelo próprio imperador ao dono da referida editora, passamos a julgar que este estabelecimento também poderia ter influência nas obras didáticas e outras obras complementares que eram prescritas no currículo do Colégio Pedro II.
Alves explicitou uma certa ampliação da importância do livro didático no Brasil – antes em sua imensa maioria importados, depois traduzidos e, finalmente, elaborados pelos próprios professores das disciplinas:
Entre 1850 e 1912, nas demais matérias do plano de estudos, difundiram-se intensamente os compêndios. Tornaram-se eles os instrumentos de trabalho dominantes no Colégio Pedro II. Muitos eram de origem estrangeira, em especial francesa. De início, foram utilizados na própria língua de origem. Em seguida foram traduzidos. Com o tempo, passaram a ser escritos pelos professores das respectivas matérias, tendência que começou a predominar na sequência. (Alves, 2015, p. 27)
Um dos exemplos de obra didática que possuímos no acervo é o livro Manual de geographia – Curso complementar para as escolas primárias do Districto Federal, de O. de Souza Reis – inspecionado pela Directoria Geral de Instrucção Pública. Tal obra informa que seu conteúdo está de acordo com o Programa de Ensino de 1914 e foi editado pela Typographia Revista dos Tribunaes, localizada na rua do Carmo, n. 55, Rio de Janeiro (ver Figura 2). Como bem pode se perceber, trata-se de um livro escrito e editado no próprio país, diferentemente da maioria dos livros de início/meio do século XIX.

Figura 2 ‒ Manual de Geografia de acordo com o programa de ensino de 1914, destinado às escolas públicas do Distrito Federal (Rio de Janeiro), de O. de Souza Reis
Cabe ressaltar que a entrada de livros e outros objetos franceses foram ainda mais facilitados com o movimento da Belle Époque no Rio de Janeiro, que teve início no fim do século XIX até a década de 1920. No entanto, antes disso, a França já era uma grande influência cultural, pelo menos desde a missão artística de 1816, na qual, dentre outras personalidades, estava o pintor Debret. Assim, a França, particularmente a cidade de Paris – que foi submetida a intensas reformulações arquitetônicas –, passou a ser um modelo de capital cultural a ser seguido em diversos lugares no mundo. E no Brasil não foi diferente, uma vez que se desejava modernizar nos mesmos moldes da capital francesa.
De acordo com El Far:
Pouco a pouco, o texto impresso, em especial o livro, tornava-se não só um objeto conhecido no cotidiano da corte como também um item fundamental no processo de civilização do nosso país. Neste novo cenário, tipografias eram abertas, livreiros estrangeiros estabeleciam seus negócios nas ruas centrais da cidade e a Real Biblioteca, esquecida nos portos de Lisboa durante a fuga de 1808, finalmente ancorava no Rio de Janeiro. (El Far, 2006, p. 17)
Além disso, em alguns exemplares há carimbos que marcam a origem dos livros: alguns pertenciam à biblioteca do Externato, à época localizada na unidade Centro, e outros ao Internato, situado hoje no que conhecemos como campus São Cristóvão. Tal detalhe é possível observar no livro Narrativas do Brazil, de Lino d’Assumpção, editado em fins do século XIX, pela Livraria Contemporânea de Paro e Lino (ver Figura 3), identificado pelo carimbo de que tal obra pertenceu à Bibliotheca do Externato – Colégio Pedro II.

Figura 3 ‒ Contracapa do livro Narrativas do Brasil, de Lino d’Assumpção, editado em fins do século XIX pela Livraria Contemporânea de Paro e Lino
De acordo com relatos orais dos próprios funcionários do Colégio Pedro II e de registros de imprensa escrita, conforme anteriormente mencionado, houve um incêndio no Internato (atual campus São Cristóvão) em 1961, o que fez com que algumas obras literárias fossem trazidas para a unidade do Externato – hoje Campus Centro. Infelizmente, não temos um levantamento que constate se livros foram perdidos no referido incêndio. Como bem elucidou El Far, “se por um lado as bibliotecas fortaleciam a imagem de poder e erudição dos governantes, por outro também demonstravam, ao longo da história, sua enorme fragilidade diante de guerras, incêndios, saques e súbitas catástrofes naturais” (El Far, 2006, p. 17).
E por que não podemos complementar dizendo que as bibliotecas e suas obras também proporcionavam prestígio às instituições? É por esse e outros fatores que o Colégio Pedro II possuía (e ainda possui) grande prestígio no cenário nacional, sobretudo quando destinado à vanguarda do ensino secundário no país, que em mais de um século se dedicou quase que exclusivamente à educação das elites, uma vez que as camadas populares mal chegavam a adquirir as primeiras letras. De acordo com Aranha,
Destinado a educar a elite intelectual e a servir de padrão de ensino para os demais liceus do país, esse colégio era o único autorizado a realizar exames parcelados para conferir graus de bacharel, indispensável para o acesso aos cursos superiores. Essa distorção fez com que o ensino secundário se desinteressasse da formação global dos alunos, tornando-se ainda mais propedêutico. Como agravante, os demais liceus provinciais precisavam adequar seus programas aos do colégio-padrão, inclusive usando os mesmos livros didáticos. Muitas vezes nem chegava a haver currículo nessas escolas, mas sim aulas avulsas das disciplinas que seriam objeto de exame. (Aranha, 2006, p. 225)
E, assim, hoje o acervo que desejamos tornar conhecido e, dentro do possível, acessível a todos que assim desejarem, um dia foi dedicado a uma pequena parcela da população, demonstrando espaço de poder da cultura escrita, destinado aos poucos letrados que a corte portuguesa, escravocrata, possuía.
Esses pequenos exemplos já demonstram a grandiosidade do acervo da Biblioteca Histórica do CPII e, consequentemente, de sua importância na guarda, preservação e divulgação de obras raras. Desse modo, a biblioteca remonta à tradição do ensino secundário no país, desde o início/meados do século XIX, até os dias atuais. Assim, o Colégio Pedro II desponta como uma instituição de prestígio e certo poder na relação de ensino-aprendizagem e na difusão da cultura letrada. Em paralelo a isso, tal instituição também se configura como uma guardiã de parte da memória8 do ensino secundário no Brasil.
Os inúmeros documentos que habitam a Biblioteca Histórica e a Sala Raja Gabaglia trazem informações importantes sobre o processo de escolarização, sobre os diferentes sujeitos que fizeram e fazem parte da instituição, o currículo adotado, entre tantas outras informações que podem contribuir com um leque de possibilidades de pesquisas, a partir de suas fontes e objetos educativos. Como afirmou Mogarro:
Os arquivos escolares constituem o repositório das fontes de informação diretamente relacionadas com o funcionamento das instituições educativas, o que lhes confere uma importância acrescida nos novos caminhos da investigação em educação, que colocam estas instituições numa posição de grande centralidade para a compreensão dos fenômenos educativos e dos processos de socialização das gerações mais jovens. (Mogarro, 2005, p. 77)
Em síntese, a Biblioteca Histórica do Colégio Pedro II e a Sala Raja Gabaglia possuem acervos que, além dos conteúdos diretos, também podem evidenciar informações acerca da entrada de livros no Império e na República, o desenvolvimento do mercado editorial, práticas de leitura e a relação entre a escrita e a oralidade, entre outros. Ou seja, é possível ler os livros para além da sua escrita propriamente dita e desvelar os objetos escolares que faziam parte do universo pedagógico da instituição, produzindo novos conhecimentos a partir do que foi preservado.
Assim, bibliotecas, museus, arquivos e centros de documentação constituem lugares imprescindíveis para a guarda de acervos diversos, garantindo o direito à memória e à cidadania, num movimento histórico-dialético de conservar o passado dentro do presente e o presente dentro do passado.
Sala Raja Gabaglia
A Sala Raja Gabaglia é uma espécie de sala-auditório, cuja finalidade é o professor da disciplina de geografia ministrar suas aulas e ter como apoio uma série de mapas, instrumentos, aparelhos etc., para que suas aulas sejam realmente teórico-práticas.
A sala recebeu esse nome em homenagem ao professor Fernando Antonio Raja Gabaglia, um dos mais conhecidos professores de geografia do Colégio Pedro II. Fernando Raja Gabaglia nasceu em 1897, na cidade do Rio de Janeiro, filho de Anna Luiza Raja Gabaglia e de Eugênio de Barros Raja Gabaglia, um renomado professor da Escola Politécnica e do Colégio Pedro II. Formou-se bacharel em ciências jurídicas pela Faculdade de Direito. Em 1917, fez concurso para professor de geografia do Colégio Pedro II, sendo aprovado em primeiro lugar. Logo ganhou relevância no Colégio, representando a instituição no Conselho Superior de Ensino entre 1923 e 1925. Além disso, ingressou no Instituto de Educação, onde atuou como professor de geografia durante muitos anos. Foi designado pelo ministro da Justiça para representar o país no primeiro congresso panamericano de ensino secundário. Mesmo depois de ser aprovado em novo concurso público, dessa vez para a cátedra de direito público internacional da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, manteve seu vínculo com o Colégio Pedro II, assumindo sua diretoria em 1933.
No ano seguinte, integrou a Academia de Ciências e Educação e o Conselho Nacional de Educação. Na década de 1940, participou de inúmeras comissões organizadoras de congressos de geografia pelo Brasil, além de se tornar presidente da Congregação do Colégio Pedro II. Deixou a diretoria deste colégio em 1945, depois de mais de dez anos no cargo. Ocupou em seguida o posto de secretário-geral de Educação e Cultura. Faleceu aos 59 anos, vítima de insuficiência cardíaca.
Cabe ressaltar que o professor Fernando Raja Gabaglia foi um grande entusiasta em relação à educação, sobretudo por ter sido um dos docentes que tanto se esforçou para modernizar o ensino de geografia a partir dos anos de 1930. Desse modo, Fernando Raja Gabaglia foi uma figura central para a história da geografia e para a geografia escolar brasileira, contribuindo ativamente para as práticas acadêmicas e escolares da geografia no Brasil.
Gabaglia gostava de lecionar: a assimilação cabia ao aluno. Expunha com elegância e clareza, andando à frente da sala, próximo à pedra, onde, a qualquer instante, escrevia nomes de acidentes ou lançava dados estatísticos. Desenhava bem e fazia-o frequentemente. Geografia sem imagens, os mapas em primeiro lugar – costumava dizer – pode ser tudo, menos geografia. Daí a profusão de cartas e aparelhos empregados em suas aulas, previamente ordenados nas salas por ele utilizadas, a começar pela sala-ambiente organizada em sua administração. Compreendia dois lances: o gabinete repleto de variados materiais e o espaço destinado às preleções, em forma de anfiteatro. (Segismundo, 1987, p. 86-87)
O nome da sala-ambiente de geografia não foi destinado ao professor Fernando Raja Gabaglia em vão. Como já expusemos acima, ele foi um precursor na formação de novos docentes para a cadeira de geografia. Como elucidado por Cabral:
Ainda na década de 1920, antes da criação de cursos universitários de geografia em São Paulo e no Rio de Janeiro, Raja Gabaglia participou de uma iniciativa, até então inédita, de formação de docentes para ensinar geografia no ensino básico. Tratava-se do Curso Superior Livre de Geografia, concebido juntamente com Delgado de Carvalho e Everardo Backheuser – outros renovadores da geografia no Brasil – e ministrado na Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, em 1926 e 1927. [...] o curso pode ser visto como a primeira tentativa de institucionalização da geografia no Rio de Janeiro. (Cabral, 2022, p. 3)
Além da inovação por meio de cursos de formação, Raja Gabaglia, Delgado de Carvalho e outros docentes que se dedicaram ao ensino de geografia, questionaram-se acerca das orientações teórico-metodológicas que se faziam presentes desde a primeira metade do século XIX no Brasil. Isto é, desde a introdução desta disciplina nos currículos escolares brasileiros. Diversos intelectuais brasileiros passaram a se debruçar em reformular a educação – que alguns estudiosos do período apontam até como “entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico” (Nagle, 1976, p. 101 apud Rocha, 2000, p. 85).
Alguns desses intelectuais se tornaram signatários do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, na década de 1930. Dentre eles estava o geógrafo Carlos Miguel Delgado de Carvalho. “A Escola Nova9 propunha uma escola baseada na iniciativa do aluno, fornecedora de experiências de vida, com conteúdos adequados às realidades social e etária dos alunos e com professores mais orientadores do processo do que impositores da verdade. Aprender a fazer fazendo e a pensar pensando em situações reais” (Piletti, 1990, p. 71 apud Campos, 2011, p. 106-107). No entanto, a geografia dita clássica/tradicional não foi abandonada de uma hora para outra, apesar de todos os esforços.
Fernando Raja Gabaglia ganhou notoriedade na tentativa de se reformular o ensino da disciplina de geografia por meio da publicação do livro Práticas de geographia, publicado em 1930 e destinado para uso no ensino secundário e normal, no qual defendia que o ensino deveria “ter sempre um cunho prático” (Gabaglia, 1930, p. 5), apresentando, assim, exercícios práticos/experimentais para serem aplicados nas aulas.
E foi dentro desse contexto, de reformulação do ensino da disciplina de geografia, que a sala que conhecemos na atualidade como Sala Raja Gabaglia foi pensada e montada – com tais intelectuais repensando a escola, suas funções, currículo, metodologia etc. e implementando novas ideias e técnicas pedagógicas. Cabe ressaltar que foi nesse período que por meio da Reforma Rocha Vaz (1925) foi imposta, mais uma vez, a uniformização do currículo para todos os estabelecimentos oficiais de ensino secundário existentes no país e, assim, os conteúdos programáticos do Colégio Pedro II tornaram-se obrigatórios em todo o âmbito nacional.
Além de se dedicar aos estudos das fronteiras do Brasil e, consequentemente, à geografia pátria, Fernando Raja Gabaglia foi um intelectual e autor que se dedicou ao campo da didática, em especial à didática da disciplina de geografia. Cabral (2022) destaca que suas contribuições em relação à modernização do ensino geográfico do Brasil surgem, principalmente, “a partir de sua defesa de um ensino de geografia mediado por práticas, experimentos, levantamentos e modelos empírico-analíticos, expressos principalmente na forma do livro Práticas de geographia, de 1930 (Cabral, 2022, p. 6).
Cabe enfatizar que, sobretudo a partir dos anos de 1930, uma novidade foi latente no mercado dos impressos destinado a estabelecer a relação de ensino-aprendizagem: algumas obras didáticas passaram a necessitar de livros complementares. Isto é, “títulos correspondiam à emergência de novos instrumentos de trabalho didático,10 como os atlas e os mapas [...]. Todos eles, contudo, eram recursos complementares que se somavam ao uso dos instrumentos centrais, os compêndios” (Alves, 2015, p. 28).
Outra ênfase que damos é acerca do projeto de difundir uma geografia patriótica nas escolas brasileiras, cuja finalidade era engrandecer a pátria. No entanto, ao mesmo tempo, mapas e outros instrumentos, que antes estavam quase que exclusivamente sob o poder dos militares, passaram a ser difundidos pela escola, sobretudo na educação das elites. Para termos conhecimento sobre a importância dos mapas nesse período, enfatizamos a obra impressa que hoje é pertencente à Biblioteca Histórica do Colégio Pedro II, denominada Exposição conjuncta de mappas militares e a arte de fazer mappas, preparada pelo Ministério da Guerra e pelo Ministério do Interior dos Estados Unidos da América, editada e publicada em 1922, em comemoração ao centenário da Independência do Brasil11 (ver Figura 4). Só o título já nos evidencia o poder dos militares na “arte de fazer mapas”. No entanto, alguns estudiosos expõem que a maneira como os mapas eram trabalhados no contexto escolar não possibilitava o mesmo conhecimento (e poder) que os militares detinham ao conhecer os territórios via cartografia.

Figura 4 - Exposição conjunta de mapas militares e a arte de fazer mapas, preparada pelo Ministério da Guerra e pelo Ministério do Interior dos Estados Unidos da América, editada e publicada em 1922, em comemoração do centenário da Independência do Brasil
Nesse mesmo período ocorreu o recenseamento do Brasil, realizado em setembro de 1920, que, posteriormente, foi editado em diversos volumes temáticos, os quais também serviram e ainda servem para ajudar nos estudos geográficos sobre o período (ver Figura 5 – Volume V – que abordava o tema “Salários”). Esse foi o 4º censo brasileiro e fazia parte do Ministério da Agricultura, Indústria e Commércio – Diretoria Geral de Estatística.

Figura 5 ‒ Recenseamento do Brasil, setembro de 1920, volume V. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, Diretoria Geral de Estatística
Hoje, a Sala Raja Gabaglia está em situação preocupante, porque fica no último andar e próxima ao telhado, muito deteriorado pela ação do tempo. Com o corte de verbas sofrido ao longo dos últimos anos, o Colégio Pedro II passou por momentos de grande recessão, sem ter conseguido realizar todas as obras que se fazem necessárias para a manutenção e a preservação do prédio histórico. Dessa forma, podemos perceber que as promoções das políticas públicas são potentes para se manter não só a relação de ensino-aprendizagem, mas também os acervos que hoje encontram-se em situação vulnerável. Mediante o exposto, o Nepehgeo/CPII está em fase de diálogo com os diversos setores para que as peças sejam transferidas temporariamente de campus, como uma medida emergencial de salvaguardar o acervo da Sala Raja Gabaglia, e assim que a restauração do telhado for realizada todos os itens irão retornar para a sala que sempre as abrigou.
Sobre o descaso na gestão do governo anterior, muito diz respeito as relações de poder e falta de apreço ao conhecimento e à ciência. Deixar um prédio histórico se deteriorar é uma maneira de tentar diminuir a sua importância histórica e a memória de quase dois séculos de existência. Apesar de terem sido anos duros para a ciência e, consequentemente, para a promoção e divulgação do conhecimento científico, foram anos que também nos trouxeram ainda mais consciência da necessidade de preservar a memória institucional do Colégio Pedro II.
Cabe enfatizar que o conceito de memória para a história e para a história da educação possui uma vertente que nos parece pertinente: “É relevante pensar lembrança e esquecimento como processos correlatos, considerando que parte da memória histórica corresponde ao que foi excluído por não compor os ‘grandes acontecimentos’ selecionados para serem lembrados” (Gil, 2019, p. 155). Trazendo essa reflexão para a nossa discussão, o processo que o governo passado tentou impor foi de esquecimento pela via do sufocamento/estrangulamento e pela não consideração da grandiosidade da história do Colégio Pedro II, assim como de tantas outras instituições de promoção e difusão de conhecimento.
Desse modo, mais do que nunca se faz necessário escavar os guardados e evidenciar a memória que o Colégio Pedro II possui. Como evidencia Gil (2019, p. 157), “a memória é um trabalho de reinterpretação do passado em razão do presente e do futuro, a partir de estratégias ou lutas que buscam construir outras narrativas”. Assim, nosso trabalho será (re)construir e difundir a grandiosidade da memória que a disciplina de geografia possui no Colégio Pedro II e ao mesmo tempo lutarmos para que essas memórias não sejam silenciadas, esquecidas e/ou reprimidas.
Mais uma vez Gil foi muito oportuno em evidenciar o historiador Jacques Le Goff (1990), que ao associar
Memória, poder e esquecimento, evidencia a memória como processo deliberado de escolha e seleção, sujeito a determinadas circunstâncias de poder. Não existe, portanto, um documento ou memória que não carregue certas visões de mundo; lembrar o passado e escrever sobre ele não são atividades inocentes. (Gil, 2019, p. 157)
Ainda não conseguimos fazer o inventário devido do acervo presente na Sala Raja Gabaglia, justamente pelo Núcleo ter se formado em fevereiro de 2023 e ter recebido o aceite da instituição no mês de março do mesmo ano. No entanto, a partir de um olhar superficial, vimos que há uma mapoteca e outros itens destinados à relação de ensino-aprendizagem nas aulas de geografia.
Pretendemos confrontar as peças presentes na Sala com o Catálogo de mapas, gravuras, quadros, instrumentos e aparelhos que se encontram no Gabinete de Geographia do Externato do Colégio Pedro II, de 1930, impresso pela Typografia São Benedicto, localizada na rua do Carmo, n. 43, Rio de Janeiro. A edição deste catálogo nos evidencia que a Sala Raja Gabaglia (deve ter sido renomeada posteriormente, talvez após a morte do professor Fernando Raja Gabaglia) já existe desde a década de 1930 e é um espaço físico propício para as teorias que alguns intelectuais difundiram nos anos de 1930/1940, no contexto de modernização do ensino da disciplina geografia.
O historiador Jacques Le Goff trouxe para o debate histórico a ideia de “documento/monumento”. Em palavras bem simples, o documento (neste caso os itens do acervo da Sala Raja Gabaglia) não chega às nossas mãos em vão. É fruto da produção de outras gerações de geógrafos, que foi preservada por quase cem anos! Deste modo, estamos nos perguntando como e de que modo esse acervo foi preservado e de que forma ele foi/está sendo recuperado e se transformando em fonte de conhecimento sobre o passado (Alberti, 2019, p. 108). Ainda, temos em pensamento que “documentos são os traços que deixaram os pensamentos e os atos dos homens no passado” (Langlois; Seignobos apud Saliba, 2017, p. 312).
Então, perante esse acervo será importante nos perguntarmos o que documentar e apreendermos o que está explícito e implícito. Para isso, precisamos confrontar essas fontes documentais com outras fontes e com o conhecimento produzido e acumulado sobre o passado e o presente. Também para isso podemos utilizar a estratégia que Alberti (2019, p. 110) expõe: para nos aproximarmos do documento é importante inferirmos sobre os quatro níveis de inferência – o que o documento diz? O que podemos inferir? O que ele não diz? O que e onde podemos saber mais? Além disso, podemos também nos perguntar quem, por que, quando, para quem, como produziu, preservou e difundiu o documento?
Outras questões que Alberti (2019, p. 110-111) traz são observações acerca da materialidade do acervo: são originais ou cópias? Estão manuscritos, datilografados ou digitados? Contêm anotações à mão, carimbo, cabeçalho, papel timbrado etc.? Há diferenças e semelhanças ortográficas? Esses e outros elementos podem nos evidenciar sobre a procedência e o processo de elaboração do documento.
No Catálogo de mapas, gravuras, quadros, instrumentos e aparelhos que se encontram no Gabinete de Geografia do Externato do Colégio Pedro II há uma gama grande de itens listados e o armário correspondente de onde fora guardado. Há mapas e gravuras de acidentes geográficos; mapas murais mudos de diversas regiões – Europa, Ásia, África, América do Norte, América do Sul, Austrália, Oceania; cartas náuticas de mares, oceanos e litorais; planisférios e mapas mundi; cartas gerais do Brasil – estados, Distrito Federal e território do Acre, relevo, geologia, meteorologia, litoral, político e econômico, comunicações, cidades e regiões; cartas históricas; cartas em relevo; quadros, vistas e panoramas para o ensino da geologia e da geografia; gravuras em rolo; retratos em quadros; bustos das raças humanas; livros e atlas; cartas murais – Vidal de La Blache; instrumentos e aparelhos para o ensino geográfico, como: pantógrafos, bússolas, curvímetros, globo celeste, globo geográfico de Rath, globo geográfico de Alves, Telúrio, podômetros; instrumentos de observações meteorológica e seus acessórios. No final do catálogo é pontuado que o mostruário de produtos para o estudo da geografia econômica e de diapositivos ainda estavam em fase de arrumação e, por isso, iriam lançar ainda em novembro de 1930 um novo catálogo, que seria anexo deste.
Desse modo, terminamos com a reflexão do historiador Jacques Le Goff, que diz: “o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada, quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores” (Le Goff, 2013, p. 485). Mediante o exposto neste artigo, assumindo mais uma vez o compromisso de nos debruçarmos enquanto historiadores da geografia, nos monumentos/documentos que estão presentes tanto na Biblioteca Histórica, como na Sala Raja Gabaglia, evidenciaremos aquilo que pessoas antes de nós pretenderam perpetuar.
Referências
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Recebido em 31/3/2023
Aprovado em 13/11/2023
Notas
1 Tradução livre do trecho: “Tout ce que l’on appelle aujourd’hui mémoire n’est donc pas de la mémoire, mais déjà de l’histoire. Tout ce que l’on appelle flambée de mémoire est l‘achévement de sa disparition dans le feu de l’histoire. Le besoin de mémoire est un besoin d’histoire”.
2 Segundo Soares (2015), “O professor catedrático era aquele que estudou e se especializou em determinada área do conhecimento, embora também conhecesse bem as demais matérias e pudesse ser examinador de qualquer uma delas. Para ser catedrático, era necessário que o candidato fosse aprovado em concurso e nomeado pelo ministro. A cátedra era vitalícia. O professor catedrático, segundo o regimento interno do Colégio Pedro II de 1927, devia orientar o ensino das matérias que constituíam a sua cadeira; lecionar na sua totalidade as matérias que compunham o programa da mesma; providenciar, por todos os meios a seu alcance, para que o ensino sob sua responsabilidade fosse o mais eficiente possível; tomar parte nas comissões de exames do curso, bem como nos concursos para docentes; tomar parte nas congregações; dentre outras” (cf. Soares, 2015, p. 300, nota número 3). Em Massunaga (1989) resgata-se a ocasião de surgimento da mencionada categoria a partir da Reforma Maximiliano (1915), tendo em vista a regência efetiva das cadeiras. Antes disso, eram comuns as denominações “lentes” e “professores” para designar o corpo docente. O intervalo entre 1915 e 1931 (ano da Reforma Francisco Campos) corresponde ao período de maior prestígio dessa categoria. Depois disso, esse prestígio foi relativizado ao longo do fluir histórico a depender dos distintos contextos institucionais e nacionais de cada ocasião, variando seus sentidos, atribuições e valor simbólico (numa constante busca por redefinição do termo na construção de uma identidade distintiva da profissão docente no Colégio). Em 1968, a categoria foi extinta definitivamente através da lei n. 5.540 (conhecida como Reforma Universitária), como desdobramento da própria extinção das cátedras nas universidades, já que os catedráticos do Colégio tinham similar tratamento dispensado aos catedráticos do ensino superior (cf. Santos et al., 2018).
3 A listagem está em fase de elaboração e, por isso, daremos continuidade ao levantamento das obras. No entanto, achamos relevante expô-la para elucidar parte do acervo que a Biblioteca Histórica possui.
4 Não se pretende aqui estabelecer com precisão conceitos ou nomenclaturas devidamente enquadrados num determinado contexto histórico; para tanto, faz-se necessário um aporte preciso da história dos conceitos, que aqui não foi estabelecido; no entanto, é possível resgatar a natureza dos saberes geográficos oitocentistas como legado da geografia clássica, resgatada de certa forma da Renascença (séculos XV a XVIII) e um pouco mais desenvolvida a partir do que Numa Broc chama de geografia dos filósofos (Broc, 1972; 1980). No contexto desse mencionado legado, é possível afirmar a pré-existência da geografia física já àquela época. Quanto ao campo da geomorfologia, é preciso uma mais aprofundada verificação do uso do termo através do tempo.
5 Como assevera Sousa Neto (2018), no século XIX para trás, “O país era apenas Norte e Sul. O Nordeste [por exemplo] é uma criação deste século [o XX], coisa recente, que não conheceu com esse nome a opulenta ostentação dos períodos de maior inserção no mercado agroexportador.” E depois o mesmo autor completa, citando Evaldo Cabral Melo: “Para os homens públicos do Império e, em grande parte, também da República Velha, a geografia regional do Brasil parecia bem simples: havia as províncias, depois estados, do norte, do Amazonas à Bahia, e as províncias, depois estados, do sul, do Espírito Santo ao Rio Grande. Nada de Nordeste, nem de Sudeste, nem de Centro-Oeste” (apud Sousa Neto, 2018, p. 126).
6 Exceção feita ao primeiro Compêndio de geografia elementar adotado no Colégio a partir de 1837, de autoria de Justiniano José da Rocha, primeiro professor das cadeiras de geografia e história daquele recinto. A primeira edição desta obra foi financiada pelo então governo regencial de Araújo Lima, editada e reproduzida pela Tipografia Nacional e institucionalmente apoiada pelo então ministro dos Negócios do Império e interino da pasta da Justiça (Corrêa, 2022).
7 Um exemplar da 2ª edição deste compêndio encontra-se no acervo de obras raras do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A 1ª edição, ao que parece, encontra-se extinta (a esse respeito, conferir Corrêa, 2022).
8 Nesse sentido, o Colégio Pedro II se configura como um dos possíveis “lugares de memória” da história da geografia escolar brasileira.
9 Foi neste contexto que a Sala Raja Gabaglia foi pensada e montada, logo se tratando de uma sala-ambiente da geografia que estava sendo implementada.
10 Grifo do autor.
11 O historiador José Murilo de Carvalho faz uma crítica de como o país se encontrava após a Independência, em 1822: “com uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, com uma economia monocultora e latifundiária, um Estado absolutista [...]”. E conclui: “À época da Independência, não havia cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira” (Carvalho, 2014, p. 24). Cem anos depois houve alguns avanços, mas os intelectuais da educação continuavam a denunciar e a cobrar por uma educação pública, laica e para todos, uma vez que era destinada quase exclusivamente à elite.
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