Acervo, Rio de Janeiro, v. 35, n. 2, maio/ago. 2022

Organização do conhecimento em arquivos | Dossiê temático

Parâmetros para nomeação do tipo documental em arquivos pessoais de escritores

Parameters for nomination of record type in writers’ personal archives / Parámetros para nombrar el tipo documental en los archivos personales de los escritores

Mabel Meira Mota

Doutora em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Professora do Departamento de Fundamentos e Processos Informacionais no Instituto de Ciência da Informação da Ufba, Brasil.

mabel.mota@ufba.br

Francisco José Aragão Pedroza Cunha

Doutor em Difusão do Conhecimento pela Ufba. Professor do Departamento de Documentação e Informação e dos programas de Pós-Graduação em Ciência da Informação e em Difusão do Conhecimento da Ufba, Brasil.

pedrozaici@gmail.com

Arivaldo Sacramento de Souza

Doutor em Letras e Linguística pela Ufba. Professor adjunto no Instituto de Letras da Ufba, Brasil.

arisacramento@gmail.com

RESUMO

Este artigo apresenta parâmetros para nomeação do tipo documental em arquivos pessoais de escritores, a partir de interfaces metodológicas entre a crítica genética e a tipologia documental. No âmbito da criação literária, entende-se que o nome do tipo documental pode ser estabelecido a partir da delimitação da função operatória do documento no processo de escritura dos escritores.

Palavras-chave: arquivos pessoais de escritores; crítica genética; tipologia documental; tipo documental.

ABSTRACT

This article presents parameters for nomination of record type in writers’ personal archives, based on methodological interfaces between genetic textual criticism and record typology. In the scope of literary creation, it is understood that the name of the record type must be established from the delimitation of the operational function of the document in the writing process of writers.

Keywords: writers’ personal archives; genetic criticism; record typology; record type.

RESUMEN

Este artículo presenta parámetros para la denominación del tipo documental en los archivos personales de los escritores, basados en interfaces metodológicas entre la crítica genética y la tipología documental. En el ámbito de la creación literaria, se entiende que la denominación del tipo documental puede establecerse a partir de la delimitación de la función operativa del documento en el proceso de redacción de los escritores.

Palabras clave: archivos personales de escritores; crítica genética; tipología documental; tipo documental.

O espaço da literatura não é somente o de uma ficção instituída, mas também o de uma instituição fictícia, a qual, em princípio, permite dizer tudo. Dizer tudo é, sem dúvida, reunir, por meio da tradução, todas as figuras umas nas outras, totalizar formalizando; mas dizer tudo é também transpor [franchir] os interditos. É liberar-se [s’affranchir] – em todos os campos nos quais a lei pode se impor como lei. A lei da literatura tende, em princípio, a desafiar ou a suspender a lei. Desse modo, ela permite pensar a essência da lei na experiência do “tudo por dizer”. É uma instituição que tende a extrapolar [déborder] a instituição.

Derrida (2014, p. 49)

Apresentação1

A citação de Derrida (2014), que abre este artigo, serve como orientação para o processamento arquivístico e desenvolvimento de pesquisa em/sobre arquivos de escritores, pois chama a atenção para a complexidade que cerca a instituição literária,2 que, ao impor sua lei, sob a forma de normas ou de padrões que permitem elaborar e reconhecer gêneros3 literários, também aponta para sua própria desconstrução, já que os escritores tendem a rasurá-los, em processos de montagem ou hibridização. Não é nossa pretensão adentrar à “contenda pela representação da realidade [...]” (Ginzburg, 2007, p. 8-9), que também está no cerne da teoria literária, mas, ao se destacar os documentos próprios da atividade literária desempenhada por um escritor, deve-se compreender que a literatura é construída no encontro entre o mundo do autor e o mundo do leitor, operado pelo documento literário, para demonstrar que “as significações múltiplas e móveis de um texto dependem das formas por meio das quais é recebido por seus leitores [...]” (Chartier, 1991, p. 178).

A literatura, assim como as obras de arte em geral, desafia a contextualização e a representação arquivística por não atender à rigidez das fórmulas e dos padrões burocráticos, atuando no limiar da linguagem. Adiciona-se a isso o fato de resultar tanto da experiência, do labor de um escritor, do modo peculiar como lê, escreve e reescreve seus textos; quanto dos significados sociais constituídos pela comunidade interpretativa (Fish, 1980, p. 322), pela rede de leitores aos quais são expostos no processo que vai dos bastidores da criação à estante da livraria e, ainda, depois dela, pois “o fechamento do livro é condição para a abertura do texto [...]” (Beiguelman, 2003, p. 18).

A expressão “o texto não existe [...]”, de Jacques Petit (1976), foi mobilizada por Louis Hay (2002) para demonstrar os desafios trazidos pelos manuscritos literários modernos, que justificaram o aparecimento da crítica genética (CG)4 e suscitam, também, discussões propostas no âmbito da tipologia documental – instituída como uma ampliação da diplomática em direção aos arquivos (Bellotto, 2004) –, vista por nós como uma das instâncias de representação arquivísticas (Oliveira, 2019). O texto não existe como uma unidade única, estável, imutável e fixável em apenas um suporte. Entre o público e o privado, a liberdade criadora e as convenções sociais, o texto literário adquire forma(s) e sentido(s) a partir da sistemática da criação e dos processos particulares da escritura e da publicação (Mota, 2021).

No imbricamento entre as sistemáticas citadas, observa-se, por meio dos processos de representação em arquivos, a complexidade da produção e da transmissão textual na literatura. O corpo de conhecimento arquivístico instituiu-se no âmago dos conhecimentos humanísticos, a partir do qual estabeleceu seu método, na interação com as disciplinas filológicas e históricas (Duranti; Michetti, 2019; Ghignoli, 1991, 2003; Langeli, 1991), dentre as quais situamos a diplomática, voltada, principalmente, para os documentos jurídicos (público e particular); e a ecdótica, a quem coube o documento literário (Spina, 1977).

Situada a gênese do corpo de conhecimento arquivístico nas disciplinas filológicas, para dar conta das especificidades da produção documental da atividade literária desempenhada por escritores, uma escolha se fez necessária: a de circunscrever nossa abordagem aos usos contemporâneos da diplomática e da ecdótica ou crítica textual, isto é, da tipologia documental e do método crítico aplicado à análise literária pela crítica genética, sobretudo de base francesa. Desse modo, buscamos demonstrar como a crítica genética pode contribuir para a representação arquivística sob o viés da tipologia documental, uma vez que esta é uma das instâncias de tradução do conhecimento do arquivo objeto de estudo (Oliveira, 2019), que inclui a identificação, nomeação e conceituação dos tipos de documentos existentes em arquivos pessoais de escritores.

Tipologia documental em arquivos pessoais de escritores

O cerne da arquivologia está na investigação do contexto de produção e uso dos documentos, possível a partir do acionamento de diferentes análises e pesquisas, que corroboram o desenvolvimento dos procedimentos arquivísticos. No campo da tipologia documental, que busca reconhecer as unidades documentais que irão compor as séries, os elementos contextuais de produção, tramitação e usos dos registros (Troitiño, 2012) contribuem para a determinação do parâmetro que irá aliar a espécie à função que o documento cumpre no desempenho da atividade literária de um escritor.

A metodologia aplicada para a definição do tipo documental se preocupa, portanto, com a determinação do vínculo entre os documentos e as atividades, ações ou eventos responsáveis por sua existência. A proposta de análise documental delineada por Bellotto (2002, p. 21), a partir da arquivística, delimita o reconhecimento e/ou estabelecimento dos seguintes aspectos dos documentos, conforme sequência a seguir: 1) a origem/proveniência; 2) a vinculação à competência e as funções da entidade acumuladora; 3) a associação entre a espécie em causa e o tipo documental; 4) o conteúdo; 5) a datação.

Nos arquivos pessoais, no que tange ao segundo item do modelo proposto pela autora, devemos partir do pressuposto de que “as atividades que são representadas pelos documentos não precisam ser apenas aquelas reconhecidas, como de transações comerciais ou negócios;
elas são mais amplas e abarcam acordos e ações assumidas pelos indivíduos”. Na instância mais íntima, a produção documental será regulada pelos “acordos tácitos, protocolos de etiqueta e práticas sociais” (Oliveira, 2019, p. 71), como aqueles próprios do domínio de produção discursiva e de escritas da literatura ou da instituição literária, como propõe Derrida (2014). Logo, os acervos de escritores requerem uma atenção especial ao modo peculiar como escrevem em consonância com as práticas sociais, procedimentos e sistemáticas do sistema literário (Bordini, 2012).

A obra literária é conformada em razão da sistemática da criação – que envolve os processos de escritura e de publicação – e de produção, que contempla a divulgação e a gestão, responsáveis por tornar pública e comercializável a obra, assim como o controle de sua recepção (Mota, 2021). Nos ateremos, aqui, à criação, mais especificamente ao processo de escritura empreendido a partir dela, isto é, ao processo de escritura que institui, nos bastidores da criação, diferentes estados textuais e versões do texto literário. Na análise tipológica enfatizam-se, então, as formas documentais, no sentido de compreender o “traçado de um ato de enunciação que se realiza no tempo, seja ele contínuo ou marcado por interrupções e retomadas” (Grésillon, 2007, p. 53).

O referente para a definição do tipo documental no acervo do escritor, vinculado à escritura literária, em geral, não é o padrão formular do gênero literário (espécie) alinhado com o motivo/objetivo responsável por sua existência. O ato aqui é ressignificado, pois refere-se, principalmente, ao ato ou gesto de criação, isto é, à criatividade do escritor, suas escolhas, e ao modo peculiar como cria seus textos com base em seus próprios métodos, rituais e critérios.

Para a composição literária em processo de escritura, optamos por sugerir uma adaptação do critério defendido por Bellotto (2002) e comumente adotado para definição e normalização do nome do tipo documental, qual seja: junção da espécie com a função correspondente à atividade responsável pela criação do documento. Na mesma linha da autora, Troitiño (2015) e Sousa (2009), com vistas a viabilizar os procedimentos de classificação dos documentos, propõem a seguinte fórmula para estabelecer e nomear o tipo documental: substantivo (espécie documental) e locução adjetiva (função do documento).

Adentrando o terreno do estabelecimento dos tipos documentais em acervos de escritores, situamos as pesquisas empreendidas por Trotta (2016) e Cavalheiro (2019) acerca da aplicação da tipologia documental5 aos arquivos de Leon Eliachar e Clarice Lispector. Trotta, na pesquisa de mestrado intitulada O arquivo pessoal de Leon Eliachar: uma análise tipológica dos documentos de um escritor, propôs um glossário de tipologias documentais para arquivos pessoais de caráter literário, com base no
estudo de caso do arquivo de Leon Eliachar, sob a guarda do Arquivo Museu de
Literatura Brasileira na Fundação Casa de Rui Barbosa.

O autor apresenta Leon Eliachar como um sujeito múltiplo, que exerceu diferentes atividades profissionais, desempenhando, nestas, em alguns casos, diversas funções:

Com relação a Leon, ele exercia diversas atividades profissionais; nelas, possuía várias funções que englobavam atividades bem específicas dentro da cadeia produtiva. Em jornais e revistas, sua principal função era a de redator, cuja atividade era escrever matérias. Aqui, os tipos documentais mais decorrentes são “notas de humor”. Na televisão, segundo os contratos com as emissoras, pudemos identificar que suas funções foram a de produtor, roteirista e relações públicas e as atividades principais eram escrever os programas, elaborar perguntas para entrevistas e orientar os profissionais envolvidos. Aqui, os principais tipos documentais são os “script de programa humorístico de televisão”. No rádio, sua função era a de redator e a atividade era produzir radionovelas. Aqui o principal tipo é “script de radionovela”. Na função publicitária, como tinha uma empresa onde ele era o único funcionário, acumulou consigo todas as atividades do processo de criação de peças publicitárias. Nessa função, encontramos documentos como “croquis de publicidade”, “layout”, “fotomontagens”, entre outros. Finalmente, como escritor, ainda que sua atividade fosse escrever, também atuou na elaboração das capas de seus livros, e entre os tipos encontramos “capa de livro” e “boneca”. (Trotta, 2016, p. 117-118)

Merece atenção, aqui, o destaque dado pelo autor ao processo de criação peculiar à cada atividade desempenhada pelo titular. O autor define, por exemplo, script e croqui, situando-os como estágios iniciais de um processo que conformou o texto publicitário (croqui de publicidade), o programa humorístico (script de programa humorístico) e a radionovela (script de radionovela). Pela análise de Trotta (2016), apesar de lidar com um processo de criação resumido, em geral, a duas peças documentais, podemos observar a possibilidade de vinculá-las e nomeá-las tendo como ponto de partida a função operatória de cada uma delas no processo de elaboração que culmina no produto final de determinadas atividades desempenhadas pelo titular no rádio, como a radionovela ou a peça publicitária.

Já Cavalheiro, na dissertação de mestrado intitulada Diplomática contemporânea como parâmetro de contextualização da informação em arquivos pessoais: o caso Clarice Lispector, se propôs a listar, por série documental,

as espécies, seus elementos diplomáticos e/ou conceituais, e, da espécie, o conceito genérico do documento suscitado com base na análise dos documentos e na consulta do Inventário do Arquivo Clarice Lispector (1993), a tipologia documental dela decorrente, acompanhada de sua notação lógica e dados descritivos (tarefas, assuntos, datas tópica e cronológica, signatários, laudas etc.), com vistas, justamente, à contemplação genética dos documentos de Clarice no AMLB (Cavalheiro, 2019, p. 74)

A pesquisa por ele proposta inova por considerar que as ações desenvolvidas pela escritora – como criar, traduzir, comentar e adaptar textos literários e não literários – resultam em manuscritos, isto é, produtos da mão da autora, ainda que estejam datilografados ou digitados. A proposta de Cavalheiro (2019) está ancorada nas críticas feitas por Camargo (2009), acerca da presença, nos arquivos pessoais, de séries documentais genéricas e que pouco refletem a gênese documental, como produção intelectual e correspondências. No caso de produção intelectual, a fragilidade da definição do contexto de produção dos documentos fica ainda mais clara se considerarmos que todos os documentos acumulados no arquivo são produções intelectuais de alguém, seja do produtor, seja de terceiro (Camargo, 2009).

No acervo da escritora Clarice Lispector, estudado por Cavalheiro (2019), a série produções intelectuais abriga as produções da titular em termos de ficção, não ficção e tradução, cujas especificidades comunicativas se perdem em meio a conformação de uma série generalista. Por esse motivo, o autor mobiliza o instrumental metodológico da diplomática contemporânea para contextualização da informação registrada nos documentos, no sentido de vinculá-la às ações específicas da escritora. Assim, podemos dizer que Cavalheiro optou por identificar em cada documento aquilo que garante sua identidade: a atividade que o tornou possível.

Em relação à atividade literária da escritora, no que tange às ações de criar, traduzir, transcrever e adaptar, o autor apresenta, respectivamente, os manuscritos de criação, manuscritos de tradução, manuscritos de transcrição e manuscritos de adaptação. Contudo, é interessante assinalar que, no âmbito da atividade jornalística, o autor atribui ao manuscrito a função “produção”, que parece, ao que tudo indica, ser o equivalente, na atividade literária, da ação de criar um produto, o que possibilitaria o uso de manuscrito de criação também à criação jornalística em processo. Por fim, não há qualquer menção ao processo de criação próprio da autora e ao modo como isso reverbera na nomeação dos manuscritos referentes a um mesmo texto, seja ele literário ou não, produzido em diferentes contextos.

Diante dos estudos propostos por Trotta (2016) e Cavalheiro (2019), percebe-se que os critérios apresentados por Bellotto (2002) para a padronização do nome do tipo documental – espécie documental somada à função – se aplicam ao arquivo de escritores se considerarmos as diferentes funções relacionadas à atividade literária: criar, traduzir, transcrever e adaptar (Cavalheiro, 2019). No caso da criação, é preciso considerar a diversidade dos atos que conformam diferentes registros de uma mesma obra. O desafio está, sobretudo, na determinação dos motivos que levam o escritor a criar e a recriar uma obra, pois, ainda que isso seja possível, é preciso observar como os motivos se tornam difusos ou são ressignificados à medida que o escritor escreve ou retoma processos escriturais interrompidos e até mesmo obras publicadas.

Diferentemente de Cavalheiro (2019), mobilizamos, aqui, o conceito de manuscrito adotado pela CG para propor outras chaves de interpretação acerca do contexto de produção e de transmissão de textos literários.

Alguns consideram a palavra “manuscrito” como um termo genérico, englobando todos os estados manuscritos conservados de uma gênese, e rascunho como um estado preciso dessa gênese, a saber, aquele em que a escritura deixa a fase dos planos e roteiros para começar a fase propriamente redacional, a da textualização. Assim, no caso de Flaubert, falar-se-á de manuscritos de determinada obra e, no momento da classificação interna dos materiais, notar-se-á a passagem do último roteiro ao primeiro rascunho. Contudo, para um bom número de escritores, seria em vão entrar no detalhe de uma tipologia genética, uma vez que terão legado apenas um único tipo de documento tendo precedido o texto definitivo. (Grésillon, 2007, p. 102-103)

Adotaremos manuscrito em sua dimensão mais ampla, para abordar tudo aquilo que foi escrito e reescrito pela mão do autor, independentemente da técnica de escrita empregada, englobando até mesmo o livro publicado e por ele revisto, uma vez que é sugestivo de novos desdobramentos escriturais, atravessado por novas intenções e vontades.

É interessante assinalar que Bellotto (2002), ao definir um glossário de espécies documentais, já pressupõe o uso da forma documental como espécie documental, alinhando gênese e tradição. Para a autora, acerca da forma, o documento pré-original – rascunho e minuta – é sempre acompanhado da preposição de, pois são estágios antecedentes – e muitas vezes necessários – de algo que ainda está em elaboração, em vias de ser o original genuinamente definitivo. É possível inferir que há, entre a tipologia documental e a crítica genética, um consenso acerca do caráter preparatório dos rascunhos e das minutas, estágios que antecedem o documento definitivo. A grande diferença que se coloca entre os dois estágios é que, do ponto de vista da completude em relação ao original, a minuta é aquela que contém certa estabilidade da forma e do conteúdo, enquanto o rascunho é fragmentário.

No caso dos arquivos de escritores, a ênfase recai naquilo que a crítica genética denominará de manuscritos de trabalho, texto em processo de elaboração “integrando um momento primitivo do processo genético do texto, apresentando por isso, normalmente, marcas físicas de manipulação autoral [...]” (Duarte, 1997). Esse termo é interessante por demonstrar que o processo de criação literária pode ou não seguir uma linearidade, já que o manuscrito de trabalho pode refletir tanto um texto inédito em processo, como uma cópia definitiva ou o texto publicado (livro) tomado como ponto de partida para novas reescrituras autorais.

Interessa-nos que os estados e as versões documentais vão demonstrar que a instabilidade da forma pode resultar numa instabilidade do conteúdo, mesmo diante da conformação de uma minuta – passagem a limpo do texto rasurado –, pois, por meio dela, podem ser inscritos novos desdobramentos escriturais. Nesses casos, o conteúdo de um texto literário pode ou não permanecer inalterado à medida que a obra está sendo gestada ou quando é relida e reescrita pelo autor, a qualquer tempo.

Sobre as cópias, conforme destaca Duarte (1997, verbete), elas resultam de “processos de reprodução de um texto, a partir de um exemplar modelo, pela mão do autor ou de um copista, e que constitui um novo testemunho”. Acerca de sua natureza, elas podem ser feitas pelo próprio autor, sendo, portanto, cópias autógrafas (Bellotto, 2002); cópias alógrafas, idiógrafas e apógrafas (Duarte, 1997). Para Duarte, a cópia alógrafa trata-se de uma cópia do texto de um autor elaborada por outra pessoa; enquanto a cópia idiógrafa é feita por outra pessoa, mas realizada sob a supervisão do autor; por fim, a cópia apógrafa é aquela feita

a partir de um original do autor, ou qualquer cópia feita ao longo da tradição [do processo de transmissão de um texto]. Manuscrito copiado a partir de um modelo (“exemplar”). Quando o modelo ou exemplar chega até nós, o apógrafo deixa de ser necessário. (Duarte, 1997, verbete)

A crítica genética, cujo aparato conceitual e metodológico está em destaque nesse artigo, concentra-se, sobretudo, nos estados, versões e cópias autógrafas. As últimas podem ser entendidas como passagem a limpo de uma mesma matriz textual, em que se corrigem as rasuras, função que podemos considerar como equivalente à da minuta.

A natureza da literatura, principalmente quando está em processo de elaboração, é complexa. Podemos recorrer a Seixas (2010), para quem a literatura é arte, mobiliza uma linguagem de natureza estética, conotativa, sugestiva de uma infinidade de possibilidades interpretativas, que convida o leitor a participar da construção de sentidos. Para o autor, ela opõe-se ao texto científico, de natureza pragmática, que mobiliza uma linguagem denotativa, cujo objetivo é conduzir a uma única direção de significados, a um único feixe de interpretação. O discurso de Seixas encontra eco em Robredo (2011, p. 24), que, ao abordar a representação da informação em documentos imagéticos, pelo viés da indexação na ciência da informação, destaca que,

contrariamente às obras de cunho científico, que possuem terminologias próprias, as obras literárias e os documentos imagéticos (pinturas, fotografias, filmes etc.) são muito mais difíceis de indexar e de representar mediante resumos ou sinopses informativas e, portanto, mais difíceis de organizar e de recuperar. (Robredo, 2011, p. 24)

Na abordagem deste artigo, a representação se dá pelo viés da tipologia documental, isto é, pela identificação e nomeação do tipo documental, cujo enfoque é o vínculo arquivístico (Duranti, 1997) entre os documentos e entre eles e as funções sociais do produtor. Entretanto, tal qual Robredo (2011), acreditamos que a linguagem empregada tanto nos documentos iconográficos quanto nos documentos literários apresenta entrave à representação da ação que deu origem ao registro, o que pode se agravar caso nos decidíssemos por forçar o seu enquadramento à regra.

O tipo documental, o seu nome designativo, enquanto representação, é a reapresentação do contexto de produção. Como nos lembra Troitiño, no âmbito da aplicação do instrumental metodológico da tipologia documental, a escolha do nome designativo do documento é,

antes de tudo, fruto de um profundo processo reflexivo que coteja a evidenciação da lógica inerente ao documento e a incorporação da tradição em seu cerne – recuperando, indiretamente, o próprio ato propulsor do registro e sua forma material. (Troitiño, 2015, p. 159-158)

Na dimensão privada da criação literária, o nome designativo do tipo documental decorre desse processo reflexivo de que nos fala a autora, no sentido de compreender o ato propulsor de cada um dos documentos que veiculam a mesma obra literária, e nos quais o escritor imprimiu, explícita ou explicitamente, as marcas de suas escolhas e tomadas de decisão.

Nesse viés, precisamos esclarecer que o tipo documental não é o documento em si, mas uma construção outra, uma representação constituída pelo arquivista, em função da análise do contexto de produção do documento, conforme salienta Troitiño (2015), a partir de Heredia Herrera (2007). Por isso, para o estabelecimento do tipo documental no acervo do escritor é necessário observar a obra literária como criação estética, voltada para a contemplação. Não devemos, portanto, partir de uma capacidade de informar objetivamente, mas, principalmente, de uma capacidade da obra de ser criada e recriada em diferentes contextos.

Ao lidar com os manuscritos de trabalho dos escritores, precisamos ter em conta três aspectos vinculados à gênese textual: as práticas de escritura, os tipos6 de textos e a transmissão do documento (Grésilllon, 2007, p. 155). Para esses autores, o objeto da CG são os manuscritos de trabalho autógrafos do escritor. Assim, concentram-se na reconstituição do que denominam prototexto, uma produção crítica que “corresponde à transformação de um conjunto empírico de documentos em um dossiê de peças ordenadas e significativas” (Biasi, 2010, p. 41). Aproximando-nos da arquivologia, podemos dizer que a definição do prototexto ou dossiê genético7 da CG está ancorada na delimitação do “vínculo arquivístico” (Duranti, 1997), da conexão entre cada uma das peças documentais que conformam as etapas ou fases de elaboração textual de dada produção literária no arquivo.

Como podemos perceber, a CG concentra-se, principalmente, na gênese interna, no domínio do prototexto, opondo a genética dos manuscritos à genética dos impressos (Grésillon, 2007; Biasi, 2010). Os encaminhamentos do texto para publicação são objetos de outra vertente da crítica filológica, a crítica sociológica ou sociologia dos textos, que considera todas as transformações pelas quais passa o texto e todas as mãos que inscrevem nele suas marcas (Borges; Souza, 2012). Os encaminhamentos para publicação, diferentemente dos manuscritos de trabalho, são representados por documentos quase sempre limpos, sem marcações, considerados bons para imprimir. Na esfera da publicação, isto é, das negociações entre editor e autor, inscrevem-se materialidades documentais específicas, quase sempre resultantes dos processos mecânicos de impressão.

A abordagem genética consiste em interpretar a lógica das interações dos documentos em meio ao processo de escritura (Biasi, 2010). Desse modo, a aproximação com a representação arquivística decorre da utilização do instrumental metodológico da CG para compreender as operações de concepção e modificação da obra literária, delineadas pelos atos de criação do escritor, e, em função deles, compreender a conformação de cada versão, para, somente assim, definir sua função operatória naquele processo criativo. É a delimitação da função operatória do documento no processo de escritura, possível por meio da análise das campanhas de escritura empreendidas pelo escritor, em cada etapa ou fase da criação literária, que permitirá a denominação dos tipos documentais (Troitiño, 2015).

Antes de passarmos às fases da gênese documental literária, cabe, com base nos estudos de Grésillon (1997), definir campanhas de escritura como operações de escritura que correspondem a uma certa unidade de tempo e de coerência escritural. Em geral, as campanhas de escritura implicam uma reescritura, observada, explicitamente, principalmente em função da materialidade documental – das propriedades do suporte, do instrumento de escrita, da própria escrita e da sua disposição no espaço gráfico –, como no conteúdo, em que as rasuras imateriais ou rasuras brancas (Biasi, 2010) somente são percebidas na comparação da rasura em contraste com o texto não rasurado. Mais adiante, demonstraremos como a análise das rasuras é uma etapa fundamental para a definição da função operatória do documento no processo de escritura.

Dito isso, tomando como base as definições das fases da criação literária, das funções operatórias e dos documentos de gênese de Grésillon (2007) e Biasi (2010), e considerando que a criação literária assume diferentes expressões documentais que precisam ser analisadas para a representação dos atos de criação do escritor, delineamos, no Quadro 1, a seguinte proposta para normalização do nome do tipo documental, por meio da delimitação da função operatória do documento nas etapas do processo de criação.

Quadro 1 – Proposta para padronização do nome do tipo documental a partir da definição da função operatória nas etapas do processo de criação

Dimensão da criação literária

Função operatória

Documentos de gênese (espécie)

Tipo documental

Escritura

Estudos e pesquisas

Resenhas, resumos, fichamentos

Resumo de artigo para estudo de [nome da obra]

Preparação

Roteiros, planos, esquema, sumário

Roteiro de preparação de [nome da obra]

Redação

Manuscritos de trabalho8

(versões decorrentes de campanhas de revisão9 e/ou de criação)

Manuscrito de trabalho de [nome da obra]

Manuscrito de criação de [nome da obra]

Manuscrito de revisão de [nome da obra]

Acabamento

Manuscrito de passagem a limpo,10 manuscrito terminal,11 manuscrito definitivo

Manuscrito de passagem a limpo12 [nome da obra]

Manuscrito terminal de [nome da obra]

Manuscrito definitivo [nome da obra]

Publicação

Preparação

Roteiro

Roteiro para publicação de [nome da obra]

Editoração

Impresso revisto

Impresso revisto de [nome da obra]

Prova

Prova de [nome da obra]

Prova corrigida

Prova corrigida de [nome da obra]

Fonte: elaborado por Mota (2021), com base em Biasi (2010) e Grésillon (2007).

Conforme exposto no Quadro 1, a complexidade do processo criativo apresenta-se sob a forma de diferentes expressões documentais, desvinculadas dos padrões e protocolos administrativos, pois estamos na instância dos fatos de escritura e dos atos de expressão do escritor (Hay, 2007). Demonstraremos a seguir a aplicação dos parâmetros aos documentos literários do escritor baiano Ildásio Tavares.

Dar nome aos documentos dos bastidores da criação literária

No acervo do escritor baiano Ildásio Tavares, os documentos representativos da dimensão privada da criação literária situam-se, sobretudo, na fase de redação dos textos, no qual são conformadas inúmeras versões. Há diversos manuscritos representativos de uma mesma obra literária, podendo ou não configurar versões, isto é, estados de um texto em que se registram reescrituras, reconhecidos em oposição a outros estados.

Tais reescrituras decorrem do que Grésillon (2007) definiu como campanhas de escritura, que podem ser de dois tipos: de revisão (correção) ou de criação. Nas campanhas de criação, responsáveis por delimitar as versões, observamos reescrituras que intervêm diretamente no gume da pena, isto é, no traçado quase imediato da escrita. Esse tipo de campanha é bastante comum nos casos de escritores, como Ildásio Tavares, cuja escritura não parte de uma programação inicial, mas de um impulso criativo que vai delineando a forma da composição literária a cada releitura.

Existem, ainda, reescrituras que resultam de uma interrupção do gesto escritural, depois de uma releitura, como é o caso de Luz oblíqua, obra inédita iniciada por Ildásio Tavares na década de 1980, pausada e retomada posteriormente entre 2006 e 2008. É interessante destacar que um mesmo documento pode apresentar diferentes versões do texto, isto é, reescrituras, já que são distintas as condições de releitura.

Nesse contexto, podemos dizer que a releitura culmina nas campanhas de criação e de revisão, sendo que, nessa última, de modo geral, a reescritura tem como objetivo a correção de

erros de língua (gramaticais, sintáticos, ortográficos e de escritura ‒ lapsos), ou o que repercute os efeitos de uma reescritura sobre outros elementos sintáticos; por exemplo: depois de substituir o verbo “pensar” por “cantar” em “ele pensa em um refrão”, que se torna “ele canta um refrão”, a supressão por sobreposição “em” é uma correção. (Grésillon, 2007, p. 330)

Para Luiz Fagundes Duarte (1997, p. 18, grifo nosso), o manuscrito autógrafo, enquanto documento, é “um registo escrito de atos e de pensamentos próprios de um tempo [...], é um registro de comportamentos de escrita de alguém para contemplação alheia.”13 As reescrituras acompanham, portanto, a mudança de comportamento do escritor em relação à própria obra, principalmente após sua releitura, visando ou não o olhar de seus leitores potenciais.

As reescrituras colocam em cena o escritor como animal ledor (Nascimento, 2011), primeiro leitor do próprio texto que, insatisfeito, produz várias versões até considerá-lo, ou não, bom para imprimir (publicar). Diante disso, algumas questões se colocam: será que, de fato, o texto publicado é representativo do ânimo autoral? Não será melhor dizer que o que se apresenta diante dos olhos dos intérpretes do arquivo (seus usuários), a cada contexto de reescrita, são múltiplas intenções ou variações de uma mesma intenção do próprio escritor? Considerando, ainda, a cumplicidade literária entre diferentes atores – amigos e colaboradores –, seus contemporâneos, será que podemos falar que intenções diversas não podem ser suscitadas também por meio de um processo de leitura e mediação do texto por terceiros?

Possíveis respostas a essas perguntas só podem ser traçadas quando examinados os aspectos genéticos dos documentos, o que inclui o vínculo que interliga os documentos – estados, versões e cópias – às diferentes fases do processo de escritura. Assim, para o ato de reconhecer e nomear os tipos documentais decorrentes da atuação literária de escritores, faz-se necessário compor o dossiê genético.

No campo da CG, é a comparação dos documentos que compõem o dossiê que norteará a identificação, nomeação, classificação14 e ordenação das versões do processo de escritura. De acordo com Troitiño (2015, p. 162, grifo nosso), “o tipo documental, ao conformar-se como a expressão de um modelo, vem servir de parâmetro para o reconhecimento de unidades documentais semelhantes, derivadas da mesma atividade e de igual espécie”. Desse modo, no âmbito da atividade literária, a definição do tipo documental, por meio do reconhecimento da função operatória nas diferentes fases do processo de escritura autoral, viabiliza a nomeação de documentos em prosa, poesia e drama, para além do modo peculiar como empregam a linguagem.

Uma obra literária pode estar inscrita, em sua totalidade ou parcialmente, em diferentes documentos. Do seu primeiro registro no papel até sua publicação, a obra literária adquire diferentes contornos. Somos capazes de dizer que a forma documental afeta diretamente o conteúdo, em termos não apenas de integralidade da materialidade e da completude ou incompletude do sentido, mas da validação daquele sentido pelo autor. O texto completo e publicado é apenas o resultado de uma série de dúvidas, escolhas e tomadas de decisão, que se manifestam sob a forma de estados ou versões, cada uma com suas singularidades.

IX sonetos da Inconfidência é uma coletânea produzida por Ildásio Tavares entre abril de 1997 e 1999, ano de sua primeira publicação. Junto a essa coletânea, as obras Luz oblíqua, Versos livres e Redondilhas foram reunidas no projeto do escritor intitulado As flores do caos,15 iniciado na década de 1980 com a escrita da primeira e ao qual foram incorporadas as outras duas. Os documentos representativos de IX sonetos da Inconfidência, de Ildásio Tavares, demonstram o pensar e repensar criativo literário. Dessa produção existem cerca de 44 documentos dispersos em diferentes agrupamentos no arquivo pessoal do escritor.

A título de exemplo, destacaremos o soneto de abertura da composição literária, intitulado “O Gonzaga”, transmitido em oito documentos, dentre os quais selecionamos quatro. Acerca do modo como um processo de criação se inicia, informa Ildásio Tavares:

É tanto jeito que não dá para definir um processo. Às vezes, pinta uma ideia. Outras, uma frase. Às vezes levo anos acalentando uma vontade de realizar um poema de um certo tipo. Um dia sai. Às vezes sai aos poucos. Às vezes sai de vez, pronto. Mas normalmente sai um monstro que trabalho e trabalho no mínimo seis vezes até achar que dá para publicar e, depois de publicado, ainda mexo. Há quem respeite um poema juvenil. Eu não, eu reescrevo tudo a partir de minha capacidade técnica de agora. Não sei não. Pinta de várias formas e não procuro disciplinar nada. Deixo fluir. Depois é que entro com a carpintaria. Com o tempo, meu inconsciente ficou educado e os poemas já saem mais realizados. Mas ainda trabalho. (Tavares, [198-], p. 2, grifos nossos)

Ficam, pois, em suspenso, perspectivas que buscam considerar a composição literária ildasiana como uma unidade estável, desvinculando-a do seu devir. Os sonetos de IX sonetos da Inconfidência são frutos de processos de performatização do escritor-leitor, observáveis em vestígios deixados na materialidade sempre “atravessada pelos usos que dela são feitos [...]” (Hay, 2007, p. 120).

Assim como para Ferrer (2002, p. 211), para nós,

apesar das aparências, uma versão que reproduz uma outra com pequenas diferenças é também uma transposição, as diferenças menores bastam para criar um novo contexto em função do qual as palavras aparentemente idênticas são reinterpretadas.

Logo, podemos dizer que as versões se constituem a partir de diferentes níveis de modificação do texto. Conforme veremos, temos três documentos de um mesmo poema, situados na fase redacional, e um documento na fase editorial16 (Biasi, 2010). Cada uma das versões do poema “O Gonzaga”17 pode ser considerada como um original, nem rascunho, nem cópia, pois decorrem de contextos de reinterpretação e de reinscrição material do texto tomado como base. Estamos chamando aqui de documento de passagem a limpo, aquele que acata a reescritura do seu antecedente, isto é, copia o trecho modificado.

De acordo com Louis Hay (2007, p. 153), a investigação comparativa fornece um método útil, pois “as características da página são tratadas em soma, ou, em outras palavras: elas são tomadas por um todo, e comparadas a outros documentos de maneira global”.18 Na comparação dos documentos, um aspecto merece ser destacado: Ildásio Tavares não acrescenta à data da primeira redação a das reescrituras. Ao contrário, mantém sempre a data da primeira redação, o que nos leva a considerar uma hipótese: a manutenção da data ao longo do processo pode ser indicativa de que as reescrituras ocorreram num contexto próximo da primeira redação, quase que imediatamente posterior a ela.

As diferenças entre os textos podem estar explicitas ou implícitas nos documentos, o que só se pode verificar através da comparação. No âmbito das campanhas de reescritura, para registrar as ações do escritor, tanto explícitas – quando podemos observar os movimentos de escritura feitos à mão ou à máquina – quanto implícitas, serão mobilizados os seguintes operadores utilizados pelas críticas filológicas para transcrição de textos, conforme Mota (2021):

Para indicar supressão de acréscimo na entrelinha superior: <[↑que fim levou]> [↓onde andará]

O Quadro 2,19 a seguir, faz uso dos operadores na sistematização da lógica interna de criação, considerando os atos de reescritura e de passagem a limpo efetuados pelo escritor Ildásio Tavares.

Quadro 2 – Sistematização das campanhas de escritura em “O Gonzaga”, de IX Sonetos da Inconfidência

Verso

Documento 1

Documento 2

Documento 3

Documento 4

1

<louco>

[doido]

doido

louco

louco

6

cruel

geral

geral

brutal

8

ninguém sabe porquê porém pressente

e não sabe porquê (porém pressente)

é indiferente

é indiferente

10

tempo <para engolir-se> [o mastiga de]

tempo o mastigar de

se tem[po] em ruminar

leva-se tempo em ruminar

12

corisco

corisco

corisco

purgatório

14

<onde que anda> <[↑que fim levou]> [↓onde andará]

onde andará

onde andará

onde andará

Fonte: elaborado por Mota (2021).

Observamos, no Quadro 2, reescrituras que mobilizam: substituição de palavras por outras equivalentes, vinculadas a um mesmo campo léxico, como é o caso de doido por louco e de mastigar por ruminar; e substituições que alteram significativamente o sentido do verso, como é o caso de cruel por geral e a troca por brutal, no verso 6; assim como porém pressente por indiferente, no verso 8. Esse último sugere, inclusive, uma ambivalência, já que pressente é sugestivo de interesse, enquanto indiferente é o seu oposto.

É preciso destacar que as reescrituras nem sempre estão explícitas. É na comparação dos documentos 2 (Figura 2) e 3 (Figura 3), nos versos 1 e 8, que se percebe a existência de rasuras brancas, indicadas, respectivamente, na substituição de doido por louco e de ninguém sabe porquê (porém pressente) por e não sabe porquê. É indiferente. Tais rasuras impactam diretamente na determinação da função do documento no processo de criação, uma vez que um aparente movimento de passar a limpo uma versão pode tornar-se indicativo da recriação do texto, isto é, da criação de uma outra versão. Apresentamos, a seguir, os tipos documentais que veiculam o texto do poema “O Gonzaga”, de IX sonetos da Inconfidência, delimitados a partir da determinação da função operatória nas etapas do processo de criação do escritor:


Figura 1 – Manuscrito de criação. Fonte: Arquivo Ildásio Tavares, Lugares de Memória, Sibi/Ufba



Figura 2 – Manuscrito de criação. Fonte: Arquivo Ildásio Tavares, Lugares de Memória, Sibi/Ufba



Figura 3 – Manuscrito de criação. Fonte: Arquivo Ildásio Tavares, Lugares de Memória, Sibi/Ufba



Figura 4 – Manuscrito definitivo. Fonte: Arquivo Ildásio Tavares, Lugares de Memória, Sibi/Ufba


Diante das modificações empreendidas por Ildásio Tavares, é possível reconhecer as nuances do labor literário, a busca do autor pela palavra exata e as consequências das reescrituras para a definição dos sentidos atribuídos pelo autor aos sonetos. Observamos que o texto não progride linearmente, ao contrário, há um processo marcado por avanço e retrocesso, cancelamento e retomada. A Figura 4 representa a finalização do processo de criação do soneto e o direcionamento da obra como um todo para a publicação, quando se une o manuscrito definitivo de O Gonzaga ao manuscrito definitivo de O Manuel, de IX sonetos da Inconfidência.

Podemos perceber que cabe ao arquivista montar o quebra-cabeça:

As peças estão reunidas, e cada uma guarda uma individualidade, um símbolo, ou seja, um conjunto unitário que necessita juntar-se a outro conjunto unitário. Cada conjunto unitário ou peça do quebra-cabeça possui signos, completos ou não, que até podem individualmente apresentar um sentido próprio. No entanto, somente no conjunto formarão uma imagem única e plena de sentido. Os quebra-cabeças não vêm com manuais de instrução, mas é possível definir métodos de abordagem para que as peças sejam colocadas em seus respectivos lugares e se complementem. Iniciamos pelos ângulos e concluímos o contorno, a sequência e gradação das cores e formas que devem ser perseguidas, não devemos forçar o encaixe entre as peças – se não se encaixam docemente é porque não se pertencem –, e assim por diante. (Oliveira, 2012, p. 75)

Até aqui, montamos uma parcela do nosso quebra-cabeça. Encaixamos as peças somente após interpretar o lugar único que cada uma delas ocupa nas etapas do processo criativo do escritor e como podem se vincular a outras, num movimento em que uma convoca a outra. Assim, apesar de não ser o foco deste artigo, precisamos destacar que existe um outro lado desse mesmo jogo, aquele em que autor, editor e leitor, na dimensão pública da criação literária, compõem redes associativas, cujas ações ora convergem ora divergem.

Considerações finais

Para a abordagem do documento literário se fez necessária a convergência entre o instrumental metodológico da tipologia documental e o método crítico para análise literária da crítica genética, contribuindo na definição de parâmetros para a padronização do nome designativo dos tipos documentais decorrentes da atividade literária desempenhada por escritores. Tais convergências contribuem para reforçar que a obra de arte literária é mais do que o produto publicado (livro), mas reflete o conjunto de todos os documentos arquivísticos que a veiculam, em diferentes formas e suportes.

A crítica genética fornece, portanto, caminhos para a investigação do contexto de produção e transmissão dos documentos literários, documentos prototípicos (Yeo, 2008) ou mais representativos da atividade literária desempenhada por escritores. No âmbito da criação literária, entende-se que o nome do tipo documental pode ser estabelecido a partir da delimitação da função operatória do documento nas fases do processo de escritura dos escritores, no desempenho da atividade literária. Enfatizamos, ainda, que os parâmetros podem ser aplicados para o estabelecimento e nomeação dos tipos advindos do processo de publicação, no qual outros sujeitos interferem para que a obra receba uma configuração particular, a de livro.

Para além dos acervos de escritores, acreditamos que os parâmetros apresentados podem ser aplicados aos conjuntos documentais orgânicos representativos do desempenho de atividades nas quais seja possível observar uma criação intelectual ou artística em processo, isto é, que tornam possível observar o delineamento de sistemáticas, operações/processos e fases/etapas, como de estudos, concepção, preparação, execução, revisão, dentre outras (Biasi, 2002).

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Recebido em 29/10/2021

Aprovado em 5/4/2022


Notas

1    Este artigo é produzido a partir da pesquisa apresentada na dissertação de Mota (2021). Disponível em: https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/34366/1/Disserta%c3%a7%c3%a3o%20Mabel%20Meira%20Mota%20-%20Vers%c3%a3o%20Definitiva.pdf. Acesso em: 6 maio 2022.

2    Essa instituição literária é constituída por categorias, “como as noções de autor, de obra, de livro, de escritura, de copyright etc.[...]” (Chartier, 2002, p. 258), assim como por atores e práticas documentárias acionadas no domínio discursivo da literatura.

3    O conceito de gênero é abordado de modos diferentes na arquivologia e no campo das letras. Conforme Camargo (2015), na arquivologia, gênero refere-se à linguagem utilizada para viabilizar certas ações, como gênero textual e audiovisual ou sonoro. Aqui, aproximamos o conceito de gênero literário da espécie documental, em virtude da estrutura que apresentam e que os tornam reconhecíveis. Contudo, reconhecemos que o enfoque arquivístico recairá sempre no contexto de origem/gênese do documento.

4    Os estudos de crítica textual/ecdótica, consolidados sob as bases dos textos das culturas clássicas, sofreram grande abalo no momento em que a crítica genética trouxe à cena das reflexões teóricas o manuscrito moderno – os que são provenientes dos laboratórios da criação de textos literários de autores. Diante dos originais autorais, dos rascunhos e de textos inacabados, a crítica textual pôde rever seus métodos, repensando estratégias contemporâneas para lidar com o processo de criação e não apenas com a produção de edições. Assim, para além das abordagens teleológicas, há conurbações metodológicas entre a crítica genética e a crítica textual, resultando em abordagens que estudam o processo de criação para a elaboração de novas perspectivas editoriais.

5    Cavalheiro (2019) utiliza o termo diplomática contemporânea para referir-se à tipologia documental, provavelmente influenciado pelos trabalhos de Luciana Duranti (1996).

6    Referência aos gêneros literários e suas características, pois o dossiê de um romance, em geral constituído por muitos capítulos, provavelmente será mais espesso que o de um poema, por se tratar de uma forma curta, ainda que seja registrada em inúmeros documentos. Foi justamente essa diferença na conformação do conjunto representativo das obras de determinado gênero que culminou na delimitação dos exemplos deste artigo. Optamos pelos poemas, por permitirem um maior detalhamento nas análises, diferentemente de um romance.

7    O dossiê genético é sinônimo de prototexto (Grésillon, 2007).

8    Manuscrito de trabalho pode ser empregado para definir o todo ou parte de uma obra em processo. Entretanto, verifica-se que muitos escritores se dedicam à retomada de apenas partes da obra e não do seu todo, como é o caso da reescritura de capítulos de um romance ou de um poema de uma coletânea. Esse foi o caso de Ildásio Tavares, discutido neste artigo, por isso optou-se por nomear as partes conforme sejam identificadas as campanhas ou ações de criar e revisar. Havendo simultaneidade das campanhas de criação e correção, utiliza-se para nomeação manuscrito de criação.

9    Aqui podem ser inseridas as “passagens a limpo corrigidas [...]” (Biasi, 2010, p. 45).

10    A cópia passada a limpo existe em relação a um texto antecedente com reescrituras.

11    Para os inéditos, com base em Duarte (2012), consideraremos um nível terminal do texto.

12    É possível, quando houver campanhas de revisão no documento de passagem a limpo, atribuir-se o nome: manuscrito de passagem a limpo corrigida.

13    Apesar de ser o escritor um leitor de si, alheio aqui refere-se ao editor ou aos leitores, caso o escritor tenha como objetivo publicar o texto literário.

14    A classificação aqui refere-se ao posicionamento do documento no conjunto de documentos representativos de uma mesma fase/etapa do processo de criação autoral.

15    Silva (2008) propõe que Luz oblíqua e Versos livres compõem As flores do caos. Contudo, na coletânea 50 poemas escolhidos pelo autor, publicada em vida pelo titular, em 2006, pela editora Galo Branco, consta, como parte de As flores do caos, também o conjunto de poemas reunidos sob o nome Redondilhas.

16    Esse documento aparece aqui em caráter complementar, para demonstrar os encaminhamentos do texto para a etapa de editoração.

17    Referente ao título atribuído ao poema na publicação, em 1999.

18    Para ele, essa abordagem deve ser complementada por um estudo contrastivo, que “decompõe cada documento em suas constituintes semióticas” (Hay, 2007, p. 153). Considerando que o contraste dos documentos de Ildásio Tavares se dá mais a nível do texto e das reescrituras do que no espaço gráfico, optamos por nos ater à comparação global.

19    Para a discussão em questão, não trouxemos a análise exaustiva. Preferimos fazer a exemplificação por amostra que torna a argumentação, por ora, mais estratégica. A análise completa pode ser observada em Mota (2021).



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