A revista Acervo, periódico científico do Arquivo Nacional publicado desde 1986, torna pública a chamada para o dossiê “O arquivo como objeto: cultura escrita, poder e memória”, que tem como editoras Claudia Beatriz Heynemann, doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do Arquivo Nacional e Nívia Pombo, doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisadora do INCT Proprietas.
Os acervos arquivísticos são tradicionalmente compreendidos como fontes para a pesquisa acadêmica. Por outro lado, os estudos de história da leitura dedicaram-se aos livros, bibliotecas e impressos que circularam de alguma forma entre o público. A proposta de um dossiê que tenha os arquivos como objeto implica pensá-los nas seguintes vertentes: seus aspectos formais, relacionados à produção da escrita, paleografia, diplomática, a historicidade da elaboração desses artefatos e sua preservação; os arquivos vistos do ponto de vista de sua própria estrutura e organização, como manifesto de uma lógica de dominação; os arquivos analisados do ponto de vista dos discursos, práticas e representações, ou seja, como produtores de conhecimento, mais do que fontes, agentes também do poder, pela constituição e circulação de saberes que são instrumentos de governos.
A formação dos arquivos coloca-se, assim, como um espelho da chamada arte do governo a distância, momento em que pena, tinta e papel se tornaram instrumentos fundamentais no controle e gestão de territórios espalhados pelas “quatro partes do mundo”, como se refere Serge Gruzinski. Testemunhas do estreitamento dos laços entre espaços desconectados, os arquivos guardam múltiplos indícios dessa experiência primeira de globalização, marcada pela ampliação, em escala vertiginosa, de papéis escritos. Essa perspectiva permite problematizar os arquivos como lugar de conflito e disputa pela memória e verdade, pelas identidades, e como resistência, em diferentes regimes e situações de excepcionalidade ao longo da história. Abrange ainda os arquivos coloniais e pós-coloniais, vistos como agentes, em si mesmos, da imposição do poder colonizador.
Cabe também considerar uma dimensão ainda pouco visitada pelos historiadores: a necessidade de questionar aquilo que se manteve preservado nos arquivos. As intenções de preservação de determinados fundos arquivísticos, a dimensão pessoal e a sensibilidade presente no ato de guardar correspondência privada, ou ainda, a existência de livros de copiador, originais e cópias avulsas, aspectos que apresentam indícios do significado dos documentos em um determinado tempo. Da mesma forma, quando rearranjados por agentes de uma determinada instituição, novos sentidos são criados, inibindo a possibilidade de compreender os sentidos originais de ordenamento.
Definidos recorrentemente como “instituições de memória” ou “lugares de memória”, sobretudo a partir de determinadas leituras da obra de Pierre Nora, os arquivos se situam entre as instâncias da história e da memória, em sobreposições, equivalências ou antagonismos, objetos da crítica historiográfica e de outros campos do conhecimento. A preservação da memória e da história “nacionais” ou do Estado foi, muitas vezes, associada à missão institucional dos arquivos, entre outros atributos. A própria trajetória dos arquivos em sua íntima conexão com a disciplina da história sedimentou uma complexa indistinção entre o discurso histórico e as manifestações da memória.
Diante desse conjunto de questões, o dossiê contará com artigos que discutam o papel dos arquivos no exercício de variadas formas de poder, na tradição historiográfica, na valorização da cultura escrita, na formação de novas sensibilidades acerca da materialidade dos documentos e seus suportes, na constituição ou apagamento de identidades e memórias.
As submissões devem ser encaminhadas até o dia 28 de fevereiro de 2023, pelo site da revista Acervo, para as seções Dossiê Temático e Resenha. O dossiê será publicado de forma contínua entre setembro e dezembro de 2023. As contribuições devem estar de acordo com o foco e o escopo do periódico e seguir as normas editoriais.
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